O MITO DO SUPER PROFESSOR

Chegamos ao início de mais um ano letivo. Nesse instante, milhares de professores estão extremamente ansiosos, se preparando para o retorno às salas de aula, onde, se espera, sejam educadores, conselheiros, bons oradores, incentivadores, exemplos, por aí vai, a lista é enorme.

O foco da pedagogia moderna está no aluno, ou melhor dizendo, no cliente. Sim, já que muito do que se faz hoje nos nossos bons colégios públicos e particulares é agradar o máximo possível aos alunos para mantê-los e para mostrar estatísticas positivas, seja de não reprovação, ainda que não aptos, ou como argumento publicitário, quando passam em faculdades e universidades. Para se conseguir isso é necessário passar toda a responsabilidade para o professor. É ele que precisa fazer o aluno gostar da matéria e de estudar. Se o aluno fracassa a culpa é transferida integralmente para o mestre.

Nossos pedagogos de gabinete de faculdade, que há muito deixaram as salas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio - alguns por lá nunca passaram, se esquecem, às vezes, que lidamos com gente. Pessoas problemáticas, influenciadas pela família, religião, pelo mundo do entretenimento. Formadas pela cultura da mediocridade, num país onde se tem vergonha de ser estudioso, de ser inteligente, de se destacar. Onde não se premia nem se incentiva os melhores. Mas, dizem, se o professor for um bom ator/animador e fizer aulas dinâmicas, mesmo que esqueça o conteúdo e o pensamento abstrato, os alunos adorarão. Evidente que sim, vivemos na sociedade do espetáculo, no dizer do filósofo francês Guy Debord, o entretenimento é supervalorizado. Não se lembram da matéria de biologia, mas das piadas do professor, sim.

Naturalmente, quanto mais talentos tiver o professor melhor para o aluno que estude por prazer, não por ofício, mas ao contrário do que andam dizendo por aí super-homens e super-mulheres não são professores.

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO I


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Janeiro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO II


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Fevereiro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO III


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Março de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO IV


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Abril de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO V


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Maio de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO VI


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Junho de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO VII


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Julho de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO VIII


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Agosto de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO XI


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Setembro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO X


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Outubro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO XI


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Novembro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO XII


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Dezembro de 2008)

CORRESPONDÊNCIA SOBRE NADA

Ainda criança foi vítima de um acidente de carro que lhe deixou paraplégica. Pai dirigindo bêbado, festa de fim de ano, noite de alegrias. Ele e a mulher mortos. Filha gravemente ferida. Nada de novo, histórias que se repetem. Foi morar com os avós. Classe média alta. Não havia nada que o dinheiro não pudesse lhe comprar. Foi-lhe dado um mundo particular, onde todos os habitantes imaginários andavam de cadeira de rodas.

Não deixaram – e ela mesma não se sentia capaz – de enfrentar o mundo dito real. Nada de escolas, nada de faculdade, nada de carreira profissional, e nada, do melhor que permeia tudo isso, namorados, festas, porres, sexo, amizades falsas e verdadeiras, amantes. Tudo isso lhe parecia cenas de filmes que via e de livros que lia.

Sua maior diversão, na qual se sentia parte do sistema, era fazer cursos por correspondência. Na puberdade adorava ler os quadrinhos de anúncio do Instituto Universal Brasileiro nas revistas Disney que lia. Aquelas mensagens motivacionais em forma de arte seqüencial eram seu livro sagrado. Trazia-lhe um sentido – banal como todos – de viver.

Nunca sonhou seguir nenhuma profissão, mas se capacitou em muitas delas através dos cursos. Os responsáveis pelas correspondências do curso nunca perceberam um nome insistente nos registros de matrícula.

Publicado originalmente no folheto literário Do Ponto de Vista do Hipogrifo em maio de 2008.
Aos que fizeram história no SPD, Turma do War, Círculo do Inferno, Luminários e para os (pós-tudo) que continuam a fazer.

Aconteceu o que ninguém esperava. Naquela tarde e noite de sábado, o banco da praça estava vazio. Aqueles amigos que pareciam aos olhos de todos, esquisitos, que pertenciam a uma realidade diferente, haviam sumido.Ninguém soube explicar o porquê.

Aquele estranho grupo havia se tornado há um só tempo objeto de admiração e folclore da cidade. Um antigo prefeito, um dos membros da seleta confraria, mandara colocar estátuas dos mais assíduos ocupantes do banco, bem debaixo da velha árvore.

Naquela moderna e interiorana ágora mundos foram criados, teorias foram desconstruídas, sonhos foram produzidos, mulheres se inebriaram, desmaiaram de paixão.

Não se sabe o que aconteceu com aqueles baluartes. Uns acreditam que foram simplesmente embora para outra cidade, outros dizem que desistiram e se misturaram aos outros humanos, os que lhes punham mais fé e lhes acreditavam anjos, dizem que voltaram para o lar divino.

Só eu sei a verdade. Eles vieram para mudar vidas e fizeram seu trabalho. Não tinham temor por nada, a não ser por envelhecerem. Fugiram para um lugar espiritual onde isso jamais poderá acontecer...


Psicografado por Lorde Henry. De um espírito que fez parte dos quatro grupos quando em vida.

Publicado originalmente no folheto literário Do Ponto de Vista do Hipogrifo em Abril de 2008.

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Publicado originalmente no fanzine Dobradinha do grupo literário Luminários.

APOLOGIA DO ÓCIO

Entreguemo-nos relaxadamente à preguiça!
Ao prazer de, vazios, absorvermos as cores alienantes da tela do vídeo.
Um sem fim de páginas de tantos volumes para quê, se podemos gozar da sensualidade da improdutividade?
Que se dane o mundo! Deixem-nos estéreis mesmo, em um canto qualquer de um quarto úmido, contentes com o pouco que temos e com o nada que construímos.
Sejamos mudos! Só os loucos gritam, argumentam e reagem.
Que se fabriquem sempre expressões de contentamento para ficarmos eternamente absortos e absorvidos com a usurpação do nosso direito de sermos humanos e humanizados.
Vamos praticar desatinos com os que confeccionam sonhos e se cansam para democratizá-lo; são somente pândegos, não são sérios.
Que mal há em não querer mudar o mundo? It’s a waste of time!
Apaguemos as luzes e deitemo-nos impotentes diante da nudez.

Publicado originalmente no jornal Em Formação em maio de 2003.

PÓS-MODERNIDADE E O PACTO MUNDIAL DE LULA

Desde o Iluminismo, com a queda da teologia do centro das decisões, diversos líderes, intelectuais, políticos e economistas têm pensado em um ethos mundial, algo que norteie as decisões políticas internacionais.Hoje vivemos no período a que se convencionou chamar de pós-modernidade. As verdades absolutas são questionadas, dando lugar a verdades relativas aos contextos históricos.

Ninguém mais precisa seguir fielmente ideologias políticas ou religiosas. Pode-se muito bem fazer um self-service do que mais agrada a seus valores pessoais. Testemunhamos o ecumenismo religioso, a fusão de grandes empresas e a pregação da Terceira-Via (tentativa de unir o que há de melhor da Esquerda e da Direita).Somente nesse contexto atual, o presidente Lula pode abrir mão de algumas posições mais radicais para se abrir ao diálogo. Ele faz parte desse fenômeno e pode se tornar o grande líder desse período, sendo o elo entre as grandes corporações, investidores e políticos e as vozes vindas do povo, da classe média, dos intelectuais.

Com seu evidente dom de liderança, seu carisma e as transformações ideológicas atuais, Lula tem nas mãos a chance de fazer o que ninguém mais pôde. Articular uma nova ordem nacional - o que ele chama de pacto social. Pode iniciar uma coalizão de forças econômicas, políticas e sociais. Unir sagrado e profano.

Publicado originalmente no site http://www.unifor.br/ em 2003.

MICROFÍSICA DA CORRUPÇÃO

Há vários anos jogo War com meus amigos de infância. Ao longo do tempo mudamos todas as regras e fizemos novas cartas. No entanto, quase sempre as partidas terminam em briga. Cada participante defende ou critica determinada regra,dependendo de seu interesse e sempre voltamos a mudá-las.

Temos, no Brasil, um comportamento semelhante. Sempre achamos que as regras não se aplicam a nós e que os outros são desonestos. Atacamos fervorosamente o Governo Federal, os estaduais e municipais. Acreditamos que o país não progride porque os governantes só roubam o dinheiro público.

Porém, não percebemos que a corrupção está instalada em todos os níveis sociais e profissionais. Na sonegação de impostos, na exploração dos funcionários, no contrabando, nos trabalhos escolares prontos, na pirataria etc.Temos uma longa tradição histórica de exploração e corrupção, desde os tempos coloniais e fazemos de tudo para perpetuá-la. Somente quando nos dermos conta que é necessário uma transformação individual e nas micro-relações é que podemos transformar toda a sociedade. E não continuar a criticar o governante corrupto e sonhar estar no lugar dele para também usufruir do dinheiro e do poder, ao invés de denunciar e cobrar, e dar o exemplo de cidadania e de cidadão honesto. Além das reformas da previdência, tributária e política,necessitamos de um reforma pessoal e moral.

Publicado orginalmente no site http://www.unifor.br/ em 2003.

SONS E ESPELHOS

You reached for the secret too soon
Threatened by shadows at night
(Shine On You Crazy Diamond-Pink Floyd)

Era uma pacata cidade do interior. Vidas simples que sublimavam temores pelas estranhas e misteriosas mortes que por lá haviam. Quem por ali passava não podia imaginar as orgias, rituais, profanações e pecados ocultos pela noite. Era melhor não saber de nada. A polícia se mantinha fora. Os casos eram resolvidos da maneira mais simplista. Talvez fossem somente desajustados sociais que queriam chamar atenção pra si. K. sabia que não. A maldição das estranhas mortes era uma realidade. Os caixões fechados nos velórios ocultavam as faces disformes das... ele relutava em chamar de vítimas. Eles quiseram isso, eles clamaram pelo que aconteceu. Adoradores da morte.

Não havia muito a se fazer naquela cidade. Os talentos eram consumidos pelo álcool e por outras drogas. Esquecidos lá, na periferia do mundo real. K. amaldiçoava todos os dias aquele lugar. Queria ser músico, era bom, sabia, mas nascera no sítio errado. Todas as noites tocava seu saxofone no porão que havia construído para esse fim. A população se acostumara, não sem irritação, com aquele som distante e surreal como num fim de sonho. A casa de K. distava da cidade, mas as notas musicais voavam na noite e caíam por sobre os telhados, entravam pelas janelas e já quase imperceptíveis morriam nos ouvidos adormecidos da maior parte da população. Eram as notas de sua maldição sobre a cidade que o impedia do sucesso. E K. continuava tocando, pedindo a qualquer entidade oculta que se manifestasse e acabasse com seu sofrimento.

E ela surgiu. Na madrugada quente da periferia do mundo. K. tinha o dom. E foi escolhido. Hoje, quando celebra o pão e o vinho e ouve as confissões dos culpados, sabe que seu chamado não foi pra isso, mas para o que realizou no passado, na longínqua cidade. Não foi difícil achar seguidores. E no meio dos seis ceifadores, de campos e de vidas, L., sua companheira até o dia em que [esta] também apeteceu.

A música era seu guia. Através dela eles sabiam aonde ir. E toda noite que alguém desejava a morte ao som de uma música profana, eles concediam. Os adultos não comentavam na frente das crianças nem quando a noite se aproximava, dos estranhos suicídios, nos rostos irreconhecíveis, nos símbolos marcados nos corpos. E K. continuava a tocar à noite, a gravar nos inconscientes que sonhavam fornicando com a morte o ritual hipnótico para conhecê-la. E como numa onírica luxúria ouviam as músicas não consagradas e as adoravam e cobiçavam a morte e ansiavam por seu encontro.

Seis ceifadores, sessenta e seis ceifas. K. não dorme mais. Nada lhe adiantou o caminho da fé. A culpa não foi embora. E mesmo depois de duas décadas, ao fechar os olhos ainda vê L. sem a pele da face, pendurada numa corda. Ela ansiou pela morte, ele desesperou-se e seus seguidores o traíram. A Morte o traiu. Não, L., não sua amada. Ela o fez esquecer o seu desprezo e maldição à cidade. Ele romperia o trato que fez na madrugada quente. Depois da missa ele subiu à torre da igreja e ouviu as musicas não consagradas. E desejou a morte e se imaginou fazendo amor com ela. Ela estava lá. E ele pulou ao seu encontro.

Publicado originalmente no jornal O Benemérito em maio de 2004.

O QUE FAZ MESMO UM SOCIÓLOGO?

Outro dia eu estava com meu irmão numa loja de informática e enquanto o gerente fazia o orçamento de um up-grade, começamos a falar de política e economia. O gerente fez uma lúcida explanação de seus pontos-de-vista sobre sociedade, política e economia. Meu irmão, querendo brincar, perguntou se ele era sociólogo, dizendo que eu era. Ele riu e olhando para mim, disse que não era socialista não, mas respeitava quem era. Eu ri comigo mesmo e fiquei pensando no fato de as pessoas em geral desconhecerem a profissão do sociólogo. Isso quando não dizem, ao saber que fazemos ciências sociais: “legal, assistente social trabalha em hospitais, não é?” ou “o que é isso? dá dinheiro?” Outro dia uma colega do curso, brincando, disse que tem até “Dia da Sogra” (28 de Abril), mas “Dia do Sociólogo”*, não. O que faz com que hajam sociólogos famosos e que ganham muito dinheiro e tantos outros que não conseguem nem ter uma profissão organizada, com conselhos e sindicatos?

Hoje em dia o mercado de trabalho valoriza muito os profissionais que tenham senso crítico, capacidade de decisão e uma visão ampla de mundo e dos processos sociais, políticos e econômicos. E é exatamente isso que a maioria dos formados em Ciências Sociais conseguem adquirir durante o curso, mas perdem espaço para administradores, economistas, psicólogos e até para gente ligada às áreas tecnológicas, que segundo alguns teria boa capacidade de resolver problemas. Um dos motivos para a perda deste espaço é o desinteresse do próprio estudante que não quer “servir ao capital” numa empresa “exploradora do trabalhador”, além da desorganização da classe. E boa parte dos que entram pra vida acadêmica se esquecem da pobre mão-de-obra “técnica” de sociólogos que ficaram pra trás. É necessário que sejamos criativos e busquemos alternativas de trabalho, como a socióloga americana que ganha quase cem dólares por hora pra ensinar as pessoas a se envolver socialmente e namorar. É papel de sociólogo? Talvez, não, mas afinal, o que faz um sociólogo?

O perfil único do cientista social precisa ser valorizado e divulgado para que empresas, ONGS, partidos políticos, etc., tenham conhecimento de seu potencial, para que possamos ocupar o espaço já regulamentado por lei. E, além disso, que o próprio estudante de ciências sociais não tenha vergonha de dizer que quer ser sociólogo e que sociólogo pode sim, ganhar dinheiro. Só assim, poderemos ouvir diálogos como:

- O que você quer ser quando crescer?

- Sociólogo!

Publicado originalmente no jornal Socializando de Outubro de 2003.

*O dia do sociólogo vinha sendo comemorado informalmente no dia 29 de maio, mas uma lei aprovada na Câmara Federal no dia 15 de abril de 2009 instituiu o dia 10 de dezembro como a data oficial.

SÍNDROME DE CHAVES

Todos os anos se repetem as cenas que nos deixam angustiados diante da televisão. Cenas de miséria e fome que assolam o país, sobretudo no Nordeste. Crianças desnutridas, pai desempregado, mãe que chora diante das câmeras, farinha e raízes na panela sobre o fogão à lenha, mexem conosco. Lembramos da nossa geladeira farta e do peru de Natal e das nozes que planejamos comprar para a ceia, obrigatória no que pensamos ser um Natal feliz. Pensamos no assunto um minuto ou dois antes de dormir, planejando, quem sabe, doar alguns quilos de alimentos para uma campanha de solidariedade de final de ano, satisfazendo com isso a nossa consciência, em algum lugar dentro de nós perdida, sufocada pela idéia de que não somos responsáveis.

Esse comportamento se assemelha ao das pessoas que moram na vila do seriado Chaves. Todos que lá residem sabem que o protagonista da série, o garoto Chaves, é órfão e pobre, sempre com grande fome e a desejar seu prato favorito: sanduíche de presunto. Seus amigos (amigos?) se solidarizam, sentem pena e às vezes lhe dão algo para comer, mas logo tudo é esquecido e ninguém faz nada para, de fato, resolver o problema de Chaves, que é bem simples: fome.

Sempre nos finais de ano a consciência coletiva se modifica, embalada pela mídia e pela religião. É o momento da partilha, da solidariedade. Pensamos, culpados com nossa ceia que será variada, nos que não têm nada para comer. Dizemos aos nossos filhos que o Natal lembra o nascimento de alguém importante, cuja vida foi exemplo de altruísmo.

Grupos de conscientes com seu papel social se formam e coordenam grandes movimentos que inspiram os que foram dormir se sentindo culpados com as cenas que viram no jornal. São várias as campanhas para um Natal sem fome, onde todos possam comer e sonhar com um Papai Noel vestido com sua roupa de frio, na esperança de que de fato ele exista e venha acabar com tanto sofrimento na terra do sol. Damos esmolas, sejam materiais ou de afeto, pensando mais na satisfação que estas atitudes nos trazem do que nas necessidades de quem estamos ajudando (usando?). Que me perdoem as Ongs e os grupos religiosos que coordenam as campanhas de arrecadação de alimentos, mas e o resto do ano?

Texto publicado originalmente no jornal O Povo de 29 de dezembro de 2008.

MEDICINA: CIÊNCIA INEXATA

Nenhuma ciência é exata, é verdade; mas a medicina, com sua aura de detentora da verdade e os médicos fantasiados como os heróis salva-vidas, deveriam chegar mais vezes a consenso sobre diagnósticos e tratamentos.

Um dia se vai ao médico e ele diz que o caso é grave, tem que se mudar de imediato a dieta, fazer exercícios, comprar várias caixas de remédios e mudar radicalmente a rotina diária. A angústia pessoal é passada à família, orações são feitas, relacionamentos mudados, muitas lágrimas são derramadas.

Alguém, depois de algumas semanas, sugere pedir a um outro profissional, uma segunda opinião. O segundo médico alivia a tensão dizendo que o caso é simples, um tratamento leve reverterá o problema. Alívio geral.

Mas a pergunta é inevitável: Quem está com a razão? Leigo, com medo de morrer, o enfermo recorre até à Internet em busca de informações sobre a doença, que, não raro, simplifica demais o que os médicos teimam em complicar para que os meros mortais não iniciados nas ciências ocultas da saúde não entendam.

O sofrimento permanece. Qual dos dois diagnósticos seguir, já que são baseados na subjetividade do médico e de seu conhecimento parcial sobre o ser humano e suas idiossincrasias? Com um pouco de bom senso e, naturalmente, medo de tomar uma decisão errada, tenta-se um caminho intermediário com um novo alopata, enquanto consegue pagar o plano de saúde ou mendiga vagas da rede pública. Mais confusão. Os médicos não seguem o que apregoam os orientais, isto é, o caminho do meio.

Com a imprecisão dos médicos chega a vez dos caminhos alternativos. Homeopatas, médicos espirituais e tratamentos holísticos os mais variados. Mais remédios, mais poções, mais orações, mais distantes da cura. Daí descamba para a medicina popular com suas crenças, ervas e grãos. Com um pouco de sorte se sobrevive.

SAUDADE DE FORTALEZA BOÊMIA

Sexta-feira à noite. Fortaleza. Havia convidado dois amigos do interior para uma noitada na capital. Animados, fomos a Osório de Paiva, seria bom um bar com bandas covers de rock, depois um outro com forró. Decepção. A avenida estava quase deserta. Não era um dia atípico, véspera de feriado ou algo assim. Achei que estivesse por fora da animação da cidade. É periferia, talvez fosse melhor ir logo à Praia de Iracema. Lá, o que encontramos foi bares e restaurantes fechados e pouca gente na rua. A única saída era pagar pra ficar numa boate ou clube fechado, escondidos do mundo.

O que há com nossa cidade? Lugar que se orgulhava de ser boêmio, festeiro, “melhor segunda-feira do mundo, imagine os outros dias” era o slogan. Medo da violência? Há tanta violência assim para termos tanto medo e ficarmos trancafiados em casa com nossas tvs, dvds, internet com seus programas de relacionamento, vídeo-games com jogos que simulam a vida lá fora? E quando resolvemos sair nos cercamos das paredes dos shoppings, dos clubes e de boates ou casas de amigos, com cerveja, karaokê e, na nossa consciência, segurança.

Um amigo me disse que estava querendo muito ir morar no interior, porque a violência aqui está muito grande. O interessante é que esse amigo nunca foi assaltado, nunca sofreu nenhum tipo de violência e não conhece ninguém que tenha sido. É claro que só um louco alienado diria que não há violência, porém, talvez não seja tão grande como estamos acreditando, que o mundo nunca esteve tão violento. Hoje temos amplo acesso à informação e casos isolados de violência nos chegam constantemente, nos dando a sensação de barbárie. Imagine no passado os assassinatos e lutas até a morte no coliseu, os enforcamentos em praça pública, o faroeste e, em nossas terras, cangaceiros matando pessoas pelas ruas. Fortaleza parece bem melhor agora.

NÃO QUERO TER FILHOS!

Não quero ter filhos! A reação é de estranheza em todos que me ouvem fazer tal afirmação. Muitas vezes ficam indignados e não raro parecem sentir pena de mim. Provavelmente pensando em como sou egoísta.

Mas lhes dou razão, não quero mesmo ter filhos por razões puramente egoístas. Filhos demandam muito do nosso tempo. Nosso tempo de vida é muito curto, quero fazer muitas coisas que, se tivesse filhos, não teria tempo para realizá-las. E filhos custam muito dinheiro. Prefiro gastar o que ganho realizando meus próprios desejos em vez de atender aos desejos, muitas vezes tiranos, dos filhos.

Mas você não gosta de crianças? Perguntam sempre. Pra falar a verdade, não muito. Talvez quando ainda são bebês. E, muitos parecem não ter percebido, seus descendentes não permanecem sempre crianças. Crescem e por vezes são totalmente contrários à educação que lhes foi dada, se voltando contra os pais e culpando-os por tudo que lhes acontece de mal e por quem são.

As pessoas têm filhos também por motivos egoístas. Querem “deixar sua semente”, se perpetuar através de um ser que carrega seu sangue e seus genes, que continuará o nome da família. Para mim, plantar uma árvore e escrever um livro já bastam. Além disso, é comum os pais passarem suas frustrações e sonhos para os filhos, querendo que sejam como gostariam de ter sido. Querem alguém para cuidar delas na velhice, porém quantos idosos, muitas vezes são abandonados e desrespeitados por seus filhos. Querem alguém para amar e que lhes ame, algo que nem sempre acontece. Querem, muitas vezes, exercer poder sobre alguém. Tudo isso é vaidade das vaidades.

Mas filho não é fruto do amor de um casal? Talvez. Mas esse amor é destruído quando os filhos nascem. A atenção e amor da mulher pelo marido são transferidos para o filho. E o marido passa a enxergar a esposa como mãe, não como mulher. Os apelidos carinhosos dão lugar a “pai” e “mãe”, apagando toda paixão e atração que existir. O casal perde a liberdade e a espontaneidade, pois não pode mais fazer o que quer quando bem entender.

Mas ter filhos não é o processo natural? Não devemos povoar a terra? Está na Bíblia, dizem. Mas há quanto tempo levamos vidas artificiais em todos os aspectos? Mudamos o curso de tudo. E a terra já está com superpopulação, não precisamos nos preocupar. Ademais, é natural tantas crianças abandonadas, maltratadas, vítimas de todo tipo de violência por pais que não deveriam ter tido filhos?

O curso da vida de alguém muda com seus rebentos. Muitas vezes abandona carreira, planos e sonhos para se dedicar a prole. Muitos regulam seu próprio consumo para que os filhos tenham o que desejam. E quase sempre cobram isso depois, querendo que os filhos sejam aquilo que projetaram.

Sempre que minha namorada se esquece de meus argumentos e, como a maioria das mulheres, volta ao desejo de ter filhos, esquecendo-se de outros, sempre faço a mesma pergunta, você quer ter um filho ou conhecer Paris?

14 COISAS QUE ODEIO EM SOCIOLOGIA E UMA QUE ADORO (QUE TALVEZ VALHA PELAS 14)

Primeiro peço a benção em nome de Marx, Durkheim e Weber (a Santíssima Trindade ou Os Três Porquinhos?) porque adoro sociologia. Talvez não dê pra ficar rico, mas me aponte outra profissão universitária que se consiga essa proeza sem empreendedorismo ou corrupção! Mas, afinal, não é pelo dinheiro, todos precisamos de sociologia. (Será?). E todos os outros cursos bebem da gente, então, cadê o respeito? Bom, mas vim pra odiar; cá entre nós sociólogos e futuros sociólogos.

Odeio em sociologia o fato de sociólogo odiar sociólogo. Tivemos até presidente sociólogo, mas o odiávamos. E ele nos odiava, ao que parece, ao vetar o projeto de lei (PL n° 09/00) que tornaria obrigatório o ensino de sociologia (e filosofia) no Ensino Médio, embora houvesse sido aprovado na Câmara Federal e no Senado. (Atualmente já é obrigatório, Lei sancionada pelo Presidente Lula, que diz que ler dá azia e não tem curso superior)

Odeio em sociologia não estarmos mais na dianteira das pesquisas e descobertas, perdemos espaço para a psicologia, psicologia evolutiva e para a neurociência (que tem usado em muito, e muitas vezes refutado, as teorias sociológicas).

Odeio em sociologia o fato de que ninguém paga a sociologia. Por trás de outros cursos como os de saúde e tecnologia tem-se indústrias investidoras. E para nós?

Odeio em sociologia o fato de que todos os cursos têm seus ícones, mas, céus! Marx é passado!

Odeio em sociologia essa crise de identidade. Qual é mesmo nosso objeto? A sociologia é mesmo uma p#*@ safada que se envolve com tudo?

Odeio em sociologia estarmos alegres e esperançosos com a possibilidade de sermos professores do Ensino Médio (Já é obrigatório, mas com restrições e indefinições). Isso é redutor da profissão. E a área técnica e a de pesquisa?

Odeio em sociologia essa nossa atitude anticapitalista constante. Tem gente (do meio acadêmico e fora dele) que confunde sociologia com socialismo.

Odeio em sociologia nossa desunião de classe, falta de corporativismo (isso não é pecado social!). Não temos nem conselhos. Alguns dos nossos poucos sindicatos sobrevivem pela fé (!).

Odeio em sociologia essas neuras e mania de perseguição por ser um curso sem status (curiosamente essa palavra é da sociologia, segundo o Aurélio e o Michaelis) atualmente. Sabiam que existe economia doméstica e engenharia de pesca?

Odeio em sociologia as conversas que só giram em torno de economia e política. Alguém aí já ouviu falar de cinema, de literatura, de sexo?

Odeio em sociologia esse messianismo dos alunos do curso. Achamos que somos os superiores, os detentores da salvação da humanidade. Será que poderíamos ser um pouco mais técnicos e menos utópicos? Fazer análise social e não teologia?

Odeio em sociologia o fato de não querermos trabalhar em empresas privadas. Não somos operários esclarecidos?

Odeio em sociologia que todo mundo se mete a fazer análise sociológica. Todos querem fazer mestrado e doutorado em sociologia, mas ninguém quer fazer bacharelado.

Odeio em sociologia o fato de ter caído no domínio público como a filosofia. Todo mundo usa e ninguém paga. Ou vendemos nossas análises muito barato.


Contudo, tem uma coisa que adoro. Nossa formação ampla. O especialista que entendia tudo de olho esquerdo, mas nada do direito está desempregado. Voltamos à análise da totalidade. E só o curso de sociologia prepara profissionais de visão ampla. Temos de tudo, opinamos (e às vezes fazemos ciência) sobre tudo, vemos um pouco de tudo. Por isso nossa diversidade. Temos plays, junkies, alternativos, mainstrems, niilistas, religiosos, céticos, ateus, nerds, geeks, hipsters, de esquerda (principalmente!) e de direita. Temos até alguns anarquistas. E convivemos bem. Temos de tudo pra ser a profissão mais prestigiada na nova era em que vivemos -ou na atual conjuntura, se preferir.

Saudações em nome de Florestan Fernandes, o apóstolo Paulo da sociologia.

PROMESSA

Olhei pra você mais uma vez, finalmente; mas não pude fixar o olhar. Vergonha de ter dado ao tempo momentos que poderiam ter sido nossos. Minha memória amorosa manteve você igual, mesmo com tantos anos que nos separaram dolorosamente. Você continua linda. Assim deitada parece sonhar com a história de amor que nos foi negada. Esperei por esse dia como se fosse o mais significativo de minha existência, onde nem imaturidade nem outros nos impedissem de ousar amar loucamente, de gritar e correr e não mais conter o impulso que me fazia diferente, e extraía o melhor de mim, com sua presença. Desejei, agora adultos, reviver os anos de paixão de adolescentes. E sinto, agora, imóvel perante você, que minha vida finalmente fez sentido, pois te reencontrei. Só te peço perdão por ter chegado tarde e você não mais poder ler no meu olhar o quanto te amo, mesmo que Tempo e Espaço e Destino tenham nos negado a autoria do nosso amor. Morro agora com você, cumprindo nossa antiga promessa de ou os dois vivem ou os dois morrem.

O SONHO DE SER FUNCIONÁRIO PÚBLICO

Ser funcionário público. Eis o sonho de milhares de brasileiros atualmente. E quase invariavelmente, o sonho dos fracassados. Daqueles que não se julgam suficientemente competentes para as empresas privadas, muito mais exigentes e seletivas. Dos que não querem continuar estudando e se superando a cada dia.

Estabilidade. A palavra mais citada por aqueles que querem passar num concurso público e que sustentam centenas de jornais, sites e cursos especializados. É verdade, num país como o Brasil, de renda per capita tão baixa e flutuante, é normal querer ter estabilidade. Mas, no fundo, o que querem é comodidade. Emprego garantido, independentemente da produção ou aprovação do cliente. Nada de estudar mais, de trabalhar mais, afinal, todos sabem, no setor público é fácil não trabalhar.

Não precisa saber inglês, nunca ouviram falar em marketing, não precisa ter conhecimento de mundo, não precisa tratar bem o cliente. Na verdade, muitos nem tem inteligência e controle emocional para trabalhar, sequer para passar numa entrevista em uma empresa privada, inexistente no setor público, basta passar numa prova de múltipla escolha.

Que me perdoem os muitos funcionários públicos competentes e que trabalham muito, sei que existem, conheço alguns. A questão é que muitos dos que querem entrar no funcionalismo público hoje são aqueles que nunca conseguiriam chegar a lugar algum no setor privado. Seu desejo é trabalhar pouco, ganhar muito e se aposentar com todas as regalias possíveis. É a cultura do malandro. Detestamos trabalhar, mas queremos ficar ricos.

Os que sonham em ser funcionários públicos precisam aprender algo com os que estão dando tudo de si para ascenderem no setor privado. Competência, constante aprendizado, maximização de resultados e foco no cliente.

Publicado originalmente no jornal O Povo de 10 de novembro de 2007

OS CANGACEIROS E OS TRAFICANTES

Não há uma explicação única para o fenômeno nordestino do final do séc. XIX e início do séc. XX, conhecido como cangaço. Mandonismo dos coronéis e a servidão nas fazendas, miséria, desamparo e menosprezo da Igreja estão entre as mais citadas. Os estudiosos apontam uma pluralidade de causas. Ao observar essas causas e, naturalmente, suas conseqüências, vemos inúmeras semelhanças com um fenômeno mais próximo de nós, o tráfico de drogas.

O cangaceiro, ao contrário do mito, foi o bandido do sertão. O traficante, longe da celebridade midiática, é o novo bandido urbano. O cangaceiro foi o antigo jagunço, protetor do coronel e mantenedor da ordem. Rompeu com este para se tornar andarilho, mas as alianças continuaram. Muitos coronéis, políticos e religiosos poderosos viraram coiteiros, protetores dos bandos. Vários novos coronéis, políticos e religiosos protegem o traficante. Os dois primeiros com dinheiro, armas e cobertura penal; os últimos com os chamados direitos humanos do criminoso.

Cangaceiros tinham acesso a armas exclusivas das forças armadas. Isso lembra algo hoje? Policiais lhes vendiam armas, que compravam com o dinheiro dos saques e de aliados poderosos. Os de hoje, claro, não precisam roubar, vendem seu “produto” a milhares de pessoas iludidas com seus efeitos. Muitos policiais daquele período, que se alistavam nas volantes, fingiam perseguir os cangaceiros e por vezes praticavam crimes em seu nome. Alguns deles parecem ter sobrevivido até os nossos dias.

No cangaço não se matava gente de “posição”. Com raríssimas exceções é o que se vê hoje em dia.

Aqueles seguiam fora-da-lei, com um código de ética próprio, com punições para desobedientes e dissidentes. Praticavam seqüestros, assassinatos cruéis como degolamentos e desmembramentos. Mas, em contrapartida, alimentavam sua gente e distribuíam sobejo de saques aos pobres. Os de cá, vemos nos jornais, fazem isso todos os dias, mantendo muitos na favela com alimentos e remédios.

As mulheres amavam os cangaceiros e até faziam parte dos bandos, afinal eram livres aventureiros, ricos e perfumados. Os nossos, andam em carros de luxo, aparecem na TV e são celebrados em filmes e livros. Que garota sonhadora, aventureira e ambiciosa não os admiraria?

O povo, mesmo ultrajado, contava suas façanhas por vilas e cidades, tinha medo e admiração por aqueles homens vestidos com roupas de couro. Os de agora, metidos em roupas de marca, são admirados nas favelas e fora delas.

Eles produziram sua estrela mais brilhante: Lampião. Nós a nossa: Fernandinho Beira-Mar.

Há muito que o mito do cangaceiro revolucionário social foi desmentido. Agora é necessário eliminar a idéia de que o traficante está enfrentando o sistema e é o herói que irá subvertê-lo e transformá-lo.

Publicado originalmente no jornal O Povo (1ª vez em 25 de março de 2007 e 2ª vez em 1º de junho de 2007) 

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