SÍNDROME DE CHAVES

Todos os anos se repetem as cenas que nos deixam angustiados diante da televisão. Cenas de miséria e fome que assolam o país, sobretudo no Nordeste. Crianças desnutridas, pai desempregado, mãe que chora diante das câmeras, farinha e raízes na panela sobre o fogão à lenha, mexem conosco. Lembramos da nossa geladeira farta e do peru de Natal e das nozes que planejamos comprar para a ceia, obrigatória no que pensamos ser um Natal feliz. Pensamos no assunto um minuto ou dois antes de dormir, planejando, quem sabe, doar alguns quilos de alimentos para uma campanha de solidariedade de final de ano, satisfazendo com isso a nossa consciência, em algum lugar dentro de nós perdida, sufocada pela idéia de que não somos responsáveis.

Esse comportamento se assemelha ao das pessoas que moram na vila do seriado Chaves. Todos que lá residem sabem que o protagonista da série, o garoto Chaves, é órfão e pobre, sempre com grande fome e a desejar seu prato favorito: sanduíche de presunto. Seus amigos (amigos?) se solidarizam, sentem pena e às vezes lhe dão algo para comer, mas logo tudo é esquecido e ninguém faz nada para, de fato, resolver o problema de Chaves, que é bem simples: fome.

Sempre nos finais de ano a consciência coletiva se modifica, embalada pela mídia e pela religião. É o momento da partilha, da solidariedade. Pensamos, culpados com nossa ceia que será variada, nos que não têm nada para comer. Dizemos aos nossos filhos que o Natal lembra o nascimento de alguém importante, cuja vida foi exemplo de altruísmo.

Grupos de conscientes com seu papel social se formam e coordenam grandes movimentos que inspiram os que foram dormir se sentindo culpados com as cenas que viram no jornal. São várias as campanhas para um Natal sem fome, onde todos possam comer e sonhar com um Papai Noel vestido com sua roupa de frio, na esperança de que de fato ele exista e venha acabar com tanto sofrimento na terra do sol. Damos esmolas, sejam materiais ou de afeto, pensando mais na satisfação que estas atitudes nos trazem do que nas necessidades de quem estamos ajudando (usando?). Que me perdoem as Ongs e os grupos religiosos que coordenam as campanhas de arrecadação de alimentos, mas e o resto do ano?

Texto publicado originalmente no jornal O Povo de 29 de dezembro de 2008.