A VIDA É AQUI E AGORA



Um dos melhores períodos da vida é sem dúvida a adolescência. Essa coisa deaborrecentes deprimidos e rebeldes acontece, sim, sem dúvida, mas no geral é o período das grandes experimentações, em que tudo é novo e atraente. E apesar do saco que é muitas vezes estar em sala de aula, é na escola que experienciamos alguns dos mais interessantes momentos da vida. Beijo, sexo, amizades, festas, álcool e outras coisas mais. E fugimos das aulas, matamos, gazeamos, aí depende do contexto geográfico como chamamos o ato, mas é um dos mais excitantes.

Um clássico da Sessão da Tarde da TV Globo, trata exatamente disso, tirar um dia de folga matando aula. Quem ainda não assistiu a Curtindo a Vida Adoidado? Uma tradução legal do título em inglês,  Ferris Bueller’s Day Off. Ferris (inesquecível interpretação de Matthew Broderick) é o cara boa vida que só se preocupa em curtir, é o cool do colégio e Cameron seu amigo travado e ansioso representa o loser.

Viver o presente como diz Ferris, eis uma tarefa difícil. Constantemente pensamos no passado, nos perguntando por que tomamos determinadas decisões e ansiamos o futuro, achando que a felicidade está lá. A realidade, contudo, é que não existe passado e futuro literais, pelo menos na perspectiva de temporalidade da fenomenologia e do existencialismo. O tempo é estabelecido na relação entre o sujeito e o objeto. O mesmo dia vivido por duas pessoas pode ter significados bem diferentes para cada um. No caso do filme, para Ferris e sua namorada foi um grande momento o dia de folga da escola, para Cameron a preocupação constante com a punição pelo que estava fazendo e a ansiedade por isso provocada fez com que a experiência não fosse nada agradável, apesar de alguns flashes de alegria. Mas ele não estava vivendo o momento.

Não há controle sobre o incontrolável. Não há resposta a por que nos acontece algo, bom ou ruim, mas há o como lidamos com o que nos acontece. Coisas acontecem o tempo todo, boas e ruins. O pior dia da sua vida é o melhor na vida de milhões. Não temos controle como o Cameron gostaria, temos o momento como Ferris prega.  Viver o momento é o desafio. Não se preocupar com o fim da jornada, mas com o caminho. Até Jesus dizia: “Basta a cada dia seu próprio mal”!

Cameron diz pra namorada de Ferris, Sloane, num dos momentos clássicos do filme, em que Ferris dança Twist and Shout na parada em Nova York que o amigo sabe lidar com tudo, e ele gostaria de ser assim. Eis onde está a resposta. É como lidamos com o incontrolável. Sloane pergunta a Cameron o que acha que Ferris será um dia. Cameron diz, sei lá, cozinheiro em Vênus. Sim, Ferris pode qualquer coisa. Sim, nós também. É só viver o momento. 

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

RESISTIR À VIDA



Quando a Globo criou sua loja virtual para vender produtos relacionados à sua programação e também DVDs e Blu-rays de séries e novelas, fiquei entusiasmado com a possibilidade de rever a novela Tieta. Há muito esperava que eles lançassem em DVD.  Minha espera chegou ao fim há algumas semanas atrás. Comprei o Box com 11 discos e a revi toda em duas semanas. A novela é de 1989 e antes que algum engraçadinho diga que estou velho saiba que eu assisti na reprise em Vale à Pena Ver de Novo.

A melhor novela que já assisti. Roteiro impecável, trilha sonora memorável, atuações perfeitas. Quem não se lembra de Perpétua magistralmente interpretada por Joana Fomm? Você sabe o que ela guardava na caixa, né? Ou da tia maravilhosa, sonho de adolescentes, inclusive eu, mas não tive uma Tieta infelizmente. Ou de Seu Modesto Pires e sua Teúda e Manteúda. Enfim, personagens extraordinários, concebidos na mente brilhante de Jorge Amado, de cujo livro homônimo Aguinaldo Silva construiu seu roteiro.

Tieta, ou Antonieta Esteves, Antonieta Cantarelli, ou ainda Madame Antoinette (você verá o porquê de tantos nomes dados à personagem vivida por Betty Faria), é uma personagem símbolo de superação. Foi expulsa a pauladas da cidadezinha Santana do Agreste por seu Pai Zé Esteves que não tolerava o comportamento liberal da filha, influenciado pelas intrigas de Perpétua, a irmã invejosa. A jovem vai com a roupa do corpo, humilhada na frente de várias pessoas da cidade que nada fizeram para ajudá-la. Vinte anos depois ela volta à cidade, rica e poderosa, causando admiração, estupefação, inveja e respeito. A partir daí, a trama se desenrola em pontas que irão ser amarradas até o fim de seus 139 capítulos.

Tieta é uma resiliente. Que é como se chama na Psicologia alguém capaz de recompor-se, de renascer das adversidades e sair fortalecido, com recursos que o levam a seguir um caminho saudável. O termo vem da Física, significando a propriedade de um corpo que, deformado, volta ao estado original quando cessam as fontes de tensão. O conceito tem sido usado pela Psicologia há pouco mais de 20 anos e está ligado ao movimento da Psicologia Positiva, que investiga aspectos potencialmente saudáveis do ser humano, e não a psicopatologia como o faz a psicologia tradicional. Num dos diálogos que Tieta tem com Imaculada, uma personagem que se tornou central na novela (no livro é secundária), diz que nunca esperou que um príncipe viesse salvá-la, ela mesma se salvou. Resiliência é isso, muito mais que sobreviver, instinto natural. É uma capacidade que permite ir em frente de modo saudável e organizado. Jorge Amado sempre concebeu mulheres fortes em seus livros, Tieta sem dúvida é a que mais se destaca. Como disse o hilário bêbado da cidade de Santana do Agreste, Bafo de Bode, Tieta não é só uma mulher é uma plantação inteirinha de xibiu.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

VIDA AO VIVO



Imagine-se descobrindo um dia que sua vida é um grande reality show, que tudo que você vive, desde o seu nascimento, é uma espécie de Big Brother assistido por milhões de pessoas. Que a cidade em que você mora é um gigantesco estúdio, que sua mulher, pais, amigos e colegas de trabalho são atores que foram contratados para interagirem com você e lhe dar a impressão de viver num “mundo real”. E pior, mais profundamente, que no campo das suas subjetividades, seus medos, seus gostos, seus modos de ser e de pensar foram “implantados” em você através de anos de interações sociais falsas, construídas na exatidão para moldar seu comportamento. Foi o que Truman, no inesquecível filme O Show de Truman, de 1998, descobriu.

Tema absurdo? Não na sociedade em que vivemos, onde cada vez menos conseguimos distinguir o que é público e o que é privado. E tomando o filme como metáfora você nunca imaginou que sua vida fosse falsa e que intimamente há um eu gritando desesperadamente em busca de algo mais? De algo mais próximo do que você deseja? A beleza do filme reside aí. Truman, interpretado magnificamente por Jim Carrey, tem um desejo profundo de sair de sua vidinha e sua cidadezinha e ver como é o mundo para além do que está à sua frente. Motivado por um amor do passado ele começa a perceber que tem algo estranho em sua vida e passa a sentir um desejo incontrolável de mudança.

Tudo na existência de Truman é um empecilho pra que ele viaje, afinal, o cenário tem limites geográficos. Ele é moldado em medos que o fazem sempre desistir da viajem que sonha, como medo de avião e medo do mar. E sempre há a propaganda oficial que o bombardeia diariamente de que a cidade em que mora é a melhor dos EUA e que seu emprego é ótimo, sua casa linda, sua mulher perfeita, tudo para que se conforme. Parece sua vida? Sim, não é mera coincidência. Veja o filme e se identifique ainda mais. Eu mesmo me vi lá na cidade de Seaheaven quando o assisti pela primeira vez há 14 anos, mas abri a porta (como Truman) que separava a minha vida construída até então para a que eu queria de fato ter. Ao ver o filme você entenderá por que eu disse isso. E torço pra que, ao vê-lo, se você também sentir que há algo errado na sua vida, não mais dê ouvidos a seja o que for que te impedir de ter uma vida plena, e abra sua porta.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA