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UMA RESPOSTA POSSÍVEL (E TRANSITÓRIA)

Toda vez que você está na praia (ou em qualquer outro lugar), vendo aquele #clichê maravilhoso pôr-do-sol, o que você está vendo na verdade é o passado, já que a luz do sol chega com oito minutos de atraso a Terra. Seguindo o raciocínio a partir da astrofísica, vemos o céu azul por causa da atmosfera terrestre, uma vez passada vemos o céu negro, como visto da Enterprise. Isto é, nossa percepção da “realidade” é influenciada até por questões como essas. Fizemos duas perguntas em textos anteriores. Quem somos nós? (Uma simples primeira pergunta complexa). E o que é real (Uma simples segunda pergunta complexa). Agora conversaremos sobre uma resposta possível (e transitória).

A Teoria do Caos (ou da complexidade), diz que o bater de asas de uma borboleta no Brasil provoca um furacão no Texas, ou seja, tudo está interconectado numa grande rede. Além de sermos seres bio-psico-sociais-existenciais-espirituais no modelo integral-sistêmico de homem (diferente do modelo biomédico que só vê a fisiologia), somos seres relacionados a tudo e a todos. Tudo que fazemos e pensamos afeta a nós mesmos, a quem conosco se relaciona e seus relacionados (essa ideia gerou as redes sociais virtuais) e ao meio ambiente. Nossas decisões – talvez não somos nós mesmos que decidimos, como discutimos nos outros textos – afetam o futuro. Pra um melhor entendimento da complexidade é só assistir Efeito Borboleta. Somente o primeiro porque os outros dois são terríveis.

Tudo bem, temos de pensar, o futuro realmente existe pra que nossas decisões presentes o afetem? E o passado? Tem gente que vê no passado essa resposta que buscamos. A Psicanálise e a Reencarnação, por exemplo. Tem gente que vê no futuro, como os religiosos que acreditam que depois da morte colheremos os frutos de nossas decisões aqui e agora. Já para a Filosofia Budista e para a Gestal-Terapia o que importa é o presente.

E é aí que me situo. Que vejo uma resposta. O passado e o futuro não existem. O passado nossa memória, já tem mostrado a neurociência, modifica e reorganiza. E o futuro só podemos imaginar. Isto é, o passado só pode nos afetar se o significarmos no presente de forma a nos fazer mal. E viver no futuro só causa ansiedade. Só o aqui e o agora importa, portanto. Como disse Jesus Cristo, “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus 6:34). Só o caminho importa, não a chegada. E nos privamos tanto de viver o momento, de aproveitar o dia (Carpe Diem, já dizia o filósofo Horácio e repercutida pelo professor entusiasta de Sociedade dos Poetas Mortos), por conta de acharmos que no futuro usufruiremos de algo. Precisamos dizer mais sim e menos não. Não tanto como Jim Carrey no filme Sim Senhor, mas ele seguiu pelo caminho certo.

Quem somos e o que é real dependem de nossa resposta à existência, porque na verdade não existe Verdade. Mas verdades. Ou fragmentos da verdade. Viver no presente anula os males do passado e a ansiedade pelo futuro. Essa é uma resposta possível. Mas também transitória, parte da verdade, subjetiva, temporal. Porém uma resposta possível e válida.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

UMA SIMPLES SEGUNDA PERGUNTA COMPLEXA

Convido-o a fazer uma escolha nesse momento. Entre a pílula azul e a vermelha, como no filme Matrix. Se azul, você sai desse texto e vai ler/ouvir/ver outras coisas do blog. Se vermelha permanece um pouquinho aqui para pensar sobre o que é real. Semana passada fizemos a primeira pergunta complexa. Quem somos nós? (Leia o post abaixo). Agora é hora de perguntar o que é a realidade. A minha nesse exato minuto em que escrevo é de alguém com a cabeça a mil com as minhas múltiplas atividades acadêmicas e de trabalho, que, apesar de convergirem a certos momentos partem e chegam de/a caminhos variados. É noite e estou cansado. Mas o dia foi ativo e cheio de bons momentos. O seu pode ter sido negativo/positivo dependendo dos acontecimentos e da sua percepção.

Aliás, é a percepção que nos faz interagir com a chamada realidade. Cheiramos, tocamos, vemos, ouvimos. E o cérebro interpreta. Isso considerando a neurofisiologia normal. Agora considere quem tem transtornos como a sinestesia, onde alguém pode ouvir cores ou cheirar números. Ou coisas mais simples, considere um míope sem óculos. A realidade para estes indivíduos (eu inclusive)  é diferente. Assista ao documentário Janela da Alma. E, mais ainda, nossa percepção muda quanto ao lugar que estamos, a época que estamos e os amigos e família que temos. Não à toa antropólogos alertaram para o etnocentrismo, quando julgamos outras etnias a partir da nossa própria. Como o eurocentrismo, no período das grandes navegações. Exemplo disso, navegadores cristãos portugueses identificaram nas práticas indígenas religiosas elementos da demonologia cristã. Coisas que os nativos não faziam a menor ideia do que fosse.

Por essas e outras se fala em estranhamento (para o bem ou para o mal). Vemos o outro a partir de nossas lentes. E falando em lentes, mesmo a fotografia (ou o vídeo, que nada mais é do que fotografias em sequência), não capta o real. O enquadramento, a iluminação, o tipo de lente mudam a realidade. Congela um sorriso fora do contexto, um abraço teatral.  “Não vemos as coisas como são, mas como somos”, disse com perfeição a escritora Anaïs Nin (que tem excelentes livros eróticos, inclusive que viraram filmes, como Delta de Vênus)Por isso a Fenomenologia prega o ir às coisas mesmas e despir-se dos a prioris como queria Husserl.  Enxergar o fenômeno em si mesmo e não por nós mesmos. Os positivistas achavam possível a objetividade do conhecimento. Pope já subverte com a falseabilidade. Conhecimento científico (e filosófico), mas tem as lentes do senso-comum (empírico), da religião (teológico). Ideologias e representações sociais tentam dar conta da realidade e são exteriores a nós e coercitivas. É só lembrar de Durkheim e Moscovici. 

E as ciências sociais/humanas e naturais ainda enxergam de modos distintos (e são temporais). As naturais estudam também coisas que não vemos com nossa percepção comum, como a microbiologia e a física de partículas. Os microrganismos e os átomos (e suas divisões) fazem parte da realidade. O campo eletromagnético também. Assim como, para muitos, o espiritual. Ou, para outros, delírios. E os sonhos? E o cérebro que não distingue claramente imaginação e realidade perceptiva? O esquizofrênico e o médium veem algo que outros não veem. O drogadito tem uma experiência diferente da realidade. Ou quem faz uso de medicamentos. Psicofármacos e drogas tem na farmacodinâmica e na farmacocinética relação com o que experenciamos do mundo. E o mundo pode ser surreal como no quadro do Dali, acima, que se chama Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar  (título real!).

E a realidade, para os técnicos, ainda precisa ser pensada na média, não nos casos particulares ou anômicos. Mais estatística e menos casos. Dados, metadados explicam a realidade. A física quântica tenta explicar várias realidades paralelas. Mas no experimento da fenda dupla se percebeu que ao ato de observar modifica a realidade. Não é só nas ciências sociais que sujeito-objeto se confunde. O que é real? Qual a sua percepção da realidade?  O tempo está bonito para chover, na percepção dos lugares onde tem muita escassez de chuva e o tempo está ruim para lugares onde chove muito. Esse texto foi perfeito para alguns e detestável para outros. Palavras se tornam realidade, dizem.


Continuaremos...

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

UMA SIMPLES PRIMEIRA PERGUNTA COMPLEXA

Cada um de vocês vai ler e absorver esse texto de uma maneira diferente. Os teóricos da Escola de Frankfurt iriam dizer que eu o (a) influenciarei e você absorverá passivamente essas linhas. Já Martin-Barbero em Dos Meios às Mediações diria que depende de como você vai absorver, a depender de seu meio sócio-cultural-geográfico.

E a neurociência vai dizer, juntamente com a psicologia da percepção, que as interpretações feitas por nosso cérebro a partir do que percebemos com a visão (no caso da leitura, no córtex occipitotemporal esquerdo), irá alterar também as suas aquisições do texto. E o que vimos, ouvimos, tocamos, cheiramos determinam também quem somos e como você é hoje, no instante que lê essas linhas. E o que aqui escrevo faz parte da minha história de vida. O que você lê também depende disso. E sua compreensão do que aqui está sendo dito depende de outros conhecimentos pré-adquiridos dizia Piaget. Até ter absorvido os conteúdos da Garagem Dinâmica altera o produto você/eu. 

Fazemos parte de uma consciência coletiva dizia Durkheim, sociólogo. Ou de um inconsciente coletivo, dizia Jung, psicólogo. Passamos por processos de socialização e de aculturação, dizem sociólogos e antropólogos. A cultura nos define em grande medida, nosso ambiente, onde nascemos e nos desenvolvemos, até nossa língua é determinante. Muito do que fazemos parece advir disto, muito parece ser comportamento aprendido, como diriam os behavioristas. Outro tanto parece automatismo guiado pelo inconsciente, dizem os teóricos do novo inconsciente (não é o Freud!). Maior parte do tempo você não se dá conta nem do que faz nem do como faz.

Algumas vezes parece que escolhemos e decidimos sobre a vida, como pregavam os filósofos existencialistas, Sartre e Camus, por exemplo, mas muitas vezes parecemos pela vida ser controlados, afinal muito da nossa existência é determinada, seja por acaso, seja por destino. Pra Calvino tudo estava predestinado. Para alguns os signos do Zodíaco influenciam quem somos, para outros há forças divinas que nos guiam e nos dão propósito. Para Leonard Mlodnow nosso andar é de bêbados. Armínio confrontou Calvino e disse que temos livre-arbítrio.

Nosso comportamento e mais profundamente quem somos é determinado também biológica e geneticamente. Nem sabemos o que é genético e o que é ambiente. Nosso cérebro é complexo, nossa cultura idem. Até em nível genético-molecular nosso comportamento é determinado. Parece que somos um quadro abstrato, não inteligível ao leigo, como a imagem acima, do quadro The Moon Woman, de Pollock. Somos algo como Truman, no filme O Show de Truman. Parece que sabemos bastante a respeito de nós, mas uma vez confrontados com algumas questões não conseguimos responder de imediato a uma simples primeira pergunta complexa. Quem somos nós?


Continuaremos com outras perguntas. Aguarde...

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DOIS HOMENS E MEIO E A PSICOLOGIA?



Alguns de nós garageanos adoramos a série Dois Homens e Meio. Alguns até parecem com o Charlie e outros com o Alan. Talvez ainda alguém pareça com a Berta. Ok, não vou continuar as suposições de quem se parece com quem senão serei expulso do grupo, lol. Fato é que eu não gostava muito da premissa da série anos atrás. Apesar de o Mauro sempre insistir que era interessante. Mas dois caras e uma criança num cenário não me atraíam. Porém, com as trocas constantes de materiais entre nós, o Amaury me passou algumas temporadas. Pra encurtar essa introdução já longa venho vendo e revendo desde então. Até a saída de Charlie Sheen, claro.

O contraste entre os irmãos é o que dá o tom de humor na série. Um bem sucedido e devasso, o outro problemático e certinho. Mulheres bonitas, sacadas hilárias. Uma mãe que faria qualquer psicanalista adorar analisar, um filho/sobrinho que muda através das temporadas, uma empregada abusada, aliás, governanta. E claro muito álcool e sexo. Afinal, Charlie Harper é a versão light de Charlie Sheen.  E um dos cenários em que muitas das cenas se passam é no Pavlov’s Bar. Desde a primeira temporada é o point de Charlie. E logo no terceiro episódio entendemos por que o bar tem esse nome. É a noite da tequila (um adendo não necessariamente relacionado – tequila e mulheres, uma conexão perfeita, dos dois pontos de vista, nosso e delas, mas isso é tema pra outro post) e todos tem de tomar uma dose toda vez que o sino toca.

A gag faz referência a um dos precursores da psicologia moderna. Ganhador do Nobel (Glawber, ele era fisiologista), foi quem abriu os caminhos para a psicologia comportamental. Seus experimentos laboratoriais o levaram a criação de um mecanismo que chamamos de condicionamento clássico, ou pavloviano, ou ainda, condicionamento respondente. A ideia é que algumas respostas comportamentais são reflexos incondicionadas, isto é, são biologicamente estabelecidos. Mas ele percebeu que seus sujeitos experimentais (nesse caso, cães), haviam aprendido novos reflexos. Estímulos que não eliciavam determinadas respostas passaram a eliciá-las. Como foi isso? O cão, naturalmente saliva diante da comida exposta. Pavlov percebeu que a salivação ocorria até mesmo quando ele se aproximava na hora de dar a comida. Então resolveu fazer o experimento para verificar a aprendizagem de novos reflexos.

Medindo a quantidade de saliva através de uma fístula perto das glândulas salivares, Pavlov tocava um sino perto do cão. Obviamente ele não salivava. Depois emparelhou os estímulos. Som e comida. Com o condicionamento o cão salivava só com o som do sino. Comportamento aprendido e não inato. Parece simples, mas há quase 100 anos atrás foi uma descoberta e tanto que ajudou a estabelecer a psicologia como ciência e até hoje ser a base inicial de um dos movimentos mais fortes na psicoterapia, o behaviorismo. Claro que muito foi contestado, modificado, melhorado na dialética da desconstrução e desconstrução da ciência. Sobretudo com o condicionamento operante de Skinner.

É um bom experimento pra vender tequila. Charlie diz que todos devem latir e beber uma dose de tequila quando o sino toca. Alan pergunta por que. Charlie diz porque o sino toca. Simples. E você verá no vídeo abaixo, do episódio em questão, editado pelo Amaury, que já na casa da mãe deles quando a campainha toca eles latem e não sabem bem por que. Muito bom. 



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SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (E VIVOS)

Final de julho, final de férias. Mês amado pelos estudantes, menos os que estão em programas de mestrado como alguns de nós garageanos. Em vez de fotos de viagem temos colocado fotos das pesquisas nos perfis pessoais do Facebook. Mas adoramos estudar, o que pode ser um problema, lol. Preciso estudar mais biologia molecular pra saber a causa desse comportamento.

Mas o mês de julho trouxe-me duas coisas ótimas. Lançamentos de livros dos meus dois escritores favoritos. Oscar Wilde e Neil Gaiman. Não, o Dândi não voltou do além. É que saiu no Brasil a tradução da versão em inglês de O Retrato de Dorian Gray editada direto dos manuscritos de Wilde. Sem as censuras a que foi submetido quando de sua edição original (única que conhecíamos até agora). O lançamento no Brasil é da editora Biblioteca Azul. Já Gaiman lançou O Oceano no Fim do Caminho (Intrínseca), que meu amigo garageano Mauro Vieira leu de um só fôlego, virando uma noite inteira. Legal que foi lançado simultaneamente no EUA e no Brasil. Estamos saindo da periferia.

Um escritor favorito morto. Um escritor favorito vivo. Não são poetas, embora tenham tentado algumas coisas nesse sentido. Formam a minha sociedade inglesa. Wilde era irlandês, mas tudo é Reino Unido para nós ingleses, né Glawber Kiedis?

Wilde infelizmente morreu (mas ainda com senso estético apurado, detestando o papel de parede da espelunca que viveu seus últimos dias). Fico imaginando sua mente brilhante pensando os dias de hoje. Gaiman acompanho através do Facebook e Twitter, os quais ele usa bastante. É legal porque podemos nos sentir próximos. Sei em tempo real algo que ele tá curtindo/pensando/fazendo.

Não li tudo dos dois. De Wilde tenho as obras completas, mas ainda estou no processo. Outras coisas aparecem. Gaiman também tenho tudo que já foi lançado, mas ele é múltiplo. Quadrinhos, livros infantis, juvenis, adultos, e tem até cantado ao lado de sua esposa/gata/louca/cantora Amanda Palmer. Além dos filmes que ele faz e dos que fazem da obra dele. Oscar Wilde também tem versões. Só de filmes de O Retrato de Dorian Gray têm três. E várias versões em quadrinhos das obras. Compro tudo. Leio/vejo quase tudo. Tem até o livro Oscar Wilde para Inquietos. Por que não tive essa ideia antes? Lol.

Vale a pena, portanto, pegar as economias da caixinha da gaveta ou pedir dinheiro pra avó. Dois autores charmosos no estilo literário e no estilo de vida. Adoro isso, afinal eu não consigo separar autor e obra. Creio que estão ligados. Quero ser assim quando crescer. Que alguém diga o mesmo de mim e de meus livros. E com o hoje é o dia do escritor, falar dos meus dois favoritos torna o mês de julho ainda melhor.

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DEXTER E O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ANTISSOCIAL (Parte 2/2)


Não tenho saudade do fim dos anos 1980 e dos anos 1990 quando quase só via filmes e séries pela TV Aberta. Tínhamos de esperar a boa vontade dos canais para comprarem os pacotes que passavam a conta gotas na programação. E com cortes. E dublados. Mas era o jeito pra quem gostava de cultura pop americana. Não havia a Amazon. E nem era comum ter TV por assinatura (quando eu chegava à casa do meu irmão que tinha Directv – lembra disso? eu assistia até a NHK em japonês!). Certo, mas o que isso tem a ver com o psicodiagnóstico do Dexter? É que assisti na última segunda baixado da Internet o primeiro episódio da oitava e última temporada. Não, não sou defensor da pirataria, tenho SKY pacote completo HD, mas convenhamos, eu não ia esperar uma semana pra assistir no FX Brasil.

O episódio foi ótimo. Como disse um amigo meu no Facebook,  Sávio, foi simplesmente fodido. E pra mim, a ideia de ter uma neurocientista envolvida tornou a série Não tenho saudade do fim dos anos 1980 e dos anos 1990 quando quase só via filmes e séries pela TV Aberta. Tínhamos de esperar a boa vontade dos canais para comprarem os pacotes que passavam a conta gotas na programação. E com cortes. E dublados. Mas era o jeito pra quem gostava de cultura pop americana. Não havia a Amazon. E nem era comum ter TV por assinatura (quando eu chegava à casa do meu irmão que tinha Directv – lembra disso? eu assistia até a NHK em japonês!). Certo, mas o que isso tem a ver com o psicodiagnóstico do Dexter? É que assisti na última segunda baixado da Internet o primeiro episódio da oitava e última temporada. Não, não sou defensor da pirataria, tenho SKY pacote completo HD, mas convenhamos, eu não ia esperar uma semana pra assistir no FX Brasil.

O episódio foi ótimo. Como disse um amigo meu no Facebook,  Sávio, foi simplesmente fodido. E pra mim, a ideia de ter uma neurocientista envolvida tornou a série mais interessante. Finalmente haverá a discussão na série se Dexter é ou não um psicopata. E não é uma neuropsiquiatra qualquer que simplesmente irá caçar o nosso serial killer favorito, pai do fofo Harrison, mas spoiler alert! Alguém que sabe quem é o Dexter e o conhece desde a infância. Do c@&%$#*!. Ok, mas e aí? Eu prometi na primeira parte desse post (clique aqui pra ler) que discutiria se o Morgan “certinho” (a outra Morgan, Debra, é porra louca e nesse episódio de estreia tá pirada, afinal você lembra, ela matou a LaGuerta no fim da sétima temporada) é ou não psicopata? Let’s see.

Num dos trechos do episódio de estreia você verá que é dito pela neurocientista aos policiais da Miami Metro Police que psicopatas não tem empatia. Dexter concorda. Empatia é a capacidade natural que temos de identificar o que outra pessoa está pensando ou sentindo e responder com a emoção apropriada. Num dos episódios antigos de Dexter ele está vendo uma comédia romântica com sua então namorada Rita. Ela está chorando, sensibilizada e ele não sabe como reagir. Então decide não piscar os olhos na tentativa que lhe escorram lágrimas e ela pensar que ele sente algo. Segundo alguns pesquisadores de psicologia e neurociências a empatia está envolvida em mais de dez regiões cerebrais, chamadas de circuito da empatia. O sistema límbico (umas das três grandes áreas do cérebro. As outras são o cérebro reptiliano – porção mais antiga e o neocórtex – porção mais nova) e suas conexões com o córtex pré-frontal estão envolvidos na empatia. Nos psicopatas a empatia é zero, inclusive por anomalias anatômicas no córtex pré-frontal, como falei na primeira parte do post. Existem outras partes do cérebro implicadas na fisiopatogenia do Transtorno de Personalidade Antisocial, mas ainda são amostras pequenas e associadas a comorbidades.  O Dexter muitas vezes tem forte empatia por quem ele gosta. Ponto a menos pro psicodiagnóstico. Além disso, psicopatas não têm alucinações. Então não faz sentido que ele converse com o seu pai constantemente, como se ele fosse um Grilo Falante da consciência. Aliás, psicopatas não sentem culpa. Mais um ponto perdido. Vale ressaltar que nos livros, segundo o garageano Clodoaldo, que os leu, o pai de Dexter não aparece dessa forma.


Mas, finalmente, o nosso analista de sangue se enquadra no DSM-IV? Vejamos o que diz o manual. Você pode comparar com você mesmo também, lol.

A. Padrão global de desrespeito e violação aos direitos dos demais que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três (ou mais) dos seguintes critérios:

1) incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais, indicada pela execução  repetida de atos que constituem motivo de detenção. (Dexter é certinho e segue as leis. Trabalha na polícia e tenta ser “normal”).
2) propensão a enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer. (Dexter fez isso em muitos episódios).
3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro. (Nem tanto).
4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas.(Em alguns episódios).
5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia. (De jeito nenhum).
6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras. (Não mesmo).
7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém. (Não. Ele sempre se sente mal por machucar a Deb e outras pessoas próximas).

B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade. (Sim, claro).

C. Existem evidências de transtorno de conduta com início anterior aos 15 anos de idade. (Sim!)

D. A ocorrência do comportamento antissocial não se manifesta durante a existência de esquizofrenia ou episódio maníaco. (Dexter tem alucinações, então pode ser esquizofrênico, então não teria psicopatia).

Portanto, pelos critérios do DSM-IV Dexter não seria psicopata. Mas aí é culpa dos roteiristas e das licenças poéticas para que a série funcione. Com possíveis erros de continuidade essa última temporada deve resolver isso, creio que ele será realmente retratado como psicopata. Mas continua a dúvida. As tendências dele foram agravadas com o Código de Harry? Possivelmente. O irmão dele era “mais” psicopata? Provavelmente. Dexter é preso, foge ou morre? Aí já é outra questão. Vamos ver no que vai dar.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

DEXTER E O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ANTISSOICIAL (Parte 1/2)


Conheci o Dexter através do meu bestfriend e também garageano Clodoaldo Queiros. Lembro-me que ele me passou há alguns anos uns rmvbs (aleluia! Agora existe o mkv) péssimos gravados em DVD (o que é isso?). Assisti aos primeiros dez minutos do piloto sem muito entusiasmo por causa da péssima gravação. Desisti. Mas os anos e as temporadas foram passando e a pregação constante do Clodoaldo sobre a série me converteu. Com o presente de aniversário do Box com as primeiras cinco temporadas da minha namorada rendi-me totalmente. E lá se Conheci o Dexter através do meu bestfriend e também garageano Clodoaldo Queiros. Lembro-me que ele me passou há alguns anos uns rmvbs (aleluia! Agora existe o mkv) péssimos gravados em DVD (o que é isso?). Assisti aos primeiros dez minutos do piloto sem muito entusiasmo por causa da péssima gravação. Desisti. Mas os anos e as temporadas foram passando e a pregação constante do Clodoaldo sobre a série me converteu. Com o presente de aniversário do Box com as primeiras cinco temporadas da minha namorada rendi-me totalmente. E lá se foram sete temporadas. A oitava e última que estreia neste domingo dia 30 elicia mais ansiedade a cada dia em nós. 

Não é de agora que adoramos psicopatas na ficção, seja em séries ou em filmes. Mas a pergunta constante entre nós garageanos tem sido se Dexter é realmente um psicopata. Serial Killer sem dúvida, afinal as placas de vidro de microscópio que ele guarda com o sangue das vítimas são muitíssimas. Nem todo psicopata (ou sociopata) se torna violento e assassino. Muitos se tornam políticos, empresários, religiosos, advogados etc., algumas das profissões que mais atraem psicopatas segundo estudos. E vale dizer que nem todo criminoso é psicopata. 

Os portadores de transtorno da personalidade anti-social, que supostamente o Dexter tem (ele teria o tipo psicopatia), demonstram comportamentos que a sociedade consideraria inaceitáveis, tendem a ser irresponsáveis, impulsivos e falsos. São predadores sociais que encantam, manipulam e progridem na vida de modo implacável. Demonstram ausência completa de consciência e empatia, apossam-se de modo egoísta daquilo que desejam e fazem o que bem entendem. Não sentem culpa ou arrependimento. Contudo, no dia a dia parecem perfeitos e interessantes, sempre elogiam os outros e parecem se interessar realmente por quem está perto. São eloquentes e encantadores. Levam rosquinhas para os colegas como Dexter! São dois mundos distintos. O da aparente perfeição em meio aos outros e monstros em seus universos paralelos. O certinho Dexter se parece muito com essa descrição geral, ainda que não tenha todos os itens que listei, o que não seria necessário para um psicodiagnóstico. 

A grande questão explicitada na série é se a psicopatia é causada por questões genéticas ou ambientais. O bárbaro assassinato da mãe de Dexter, o qual ele assistiu, tá sempre presente. E a motivação, mesmo que bem intencionada de seu pai adotivo em ensiná-lo a matar sem ser pego é algo a se pensar. Afinal ele aprendeu a ser assassino assim? Numa perspectiva behaviorista, talvez. Mas e o impulso que ele tinha desde adolescência? A psicopatia afeta 1% das mulheres e 4% dos homens no mundo e começa em geral por volta de 13 anos. A série tá correta nesse sentido. Em estudos com gêmeos houve correspondência genética em 30% dos casos, mesmo sem ambiente compartilhado. O irmão do Dexter como vimos é até pior que ele. As tendências psicopáticas parecem ser herdáveis na infância, sem influência do ambiente. Há casos de crianças psicopatas mesmo antes dos 13 anos. Ainda que o ambiente sempre seja um fator importante, o comportamento antissocial é em grande parte genético. 


Em pesquisas de genética molecular sobre a personalidade (algo novo em que as ciências do comportamento estão inseridas), há relatos sobre uma associação entre um marcador de DNA para um determinado gene receptor (DRD4, receptor de dopamina D4) e o traço de personalidade de procura de novidade, que está relacionada com indivíduos impulsivos, inconstantes, nervosos, exaltados e extravagantes. A procura por novidade envolve diferenças genéticas na transmissão de dopamina. Ou seja, traços da personalidade são detectáveis em nível molecular! Além disso, em relação à neurofisiologia, psicopatas tem menos conexões entre o córtex pré-frontal ventromedial, uma parte do cérebro responsável por sentimentos como empatia e culpa e a amígdala, relacionada ao medo e ansiedade.

Para um psicodiagnóstico do Dexter usarei os critérios do DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) já que obviamente não posso entrevistá-lo ou aplicar testes psicológicos ou usar quaisquer outros critérios de uma avaliação psicológica. Mas só no próximo post, depois da season première de domingo. Aguarde. 

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ZUMBIS ESTÃO POR AÍ


Nós da Garagem Dinâmica adoramos zumbis. E não é de hoje por causa do frenesi dos novos produtos relacionados. É desde A Noite dos Mortos-Vivos do Romero de 1968, que só assistimos anos depois obviamente, já que todos somos da Geração Y (ou quase todos).

The Walking Dead, claro, é a nova sensação com o tema, que ciclicamente na cultura pop sempre volta à tona (como anjos, vampiros e lobisomens). Com a série consegui até ter um programa de fã em comum com minha namorada Juliana, que também adora e, como todas (ou quase todas) as mulheres se derrete pelo Daryl e eu, como muitos namorados, queremos que ele morra, lol. O Leonard tentou ter um programa de fã com a Penny num episódio recente de The Big Bang Theory, mas não deu muito certo. Ele sugeriu que assistissem juntos à Buffy, mas a Penny não gostou muito. 

Enfim, o Apocalipse Zumbi se aproxima! Pelo menos nos sonhos malucos de gente louca como os garageanos, fãs de cultura pop, mesmo que não tenham nenhuma possibilidade de sobreviver fora de seus consoles de videogame, tablets, smartphones, laptops, fastfoods e que também não saibam atirar (eu pelo menos já estou treinando isso, minha pontaria tá ótima!).

E enquanto os zumbis não chegam sigo estudando psicopatologias na expectativa de ser um psicólogo e neuropsicólogo de sucesso (alguém se consultará comigo no caos hipotético que se instalará?). E lendo os gigantescos manuais da psicologia e assistindo de camarote as brigas sobre o DSM-V que tá pra sair (que é o manual de diagnóstico de doenças mentais, que vem com tanta doença nova que tá difícil ser “normal”), encontrei a Síndrome de Cotard, descobrindo que sim, existem zumbis por aí! Ou pelo menos na realidade delirante dos portadores da doença.

Identificada no final do século XIX pelo neurologista Jules Cotard, os indivíduos que apresentam o transtorno acreditam que estão mortos! Figurativa ou literalmente. Acham que não existem, que estão em estado de putrefação, ou que perderam todo o sangue e os órgãos internos. A semiologia da doença apresenta principalmente o delírio de negação. Os portadores negam que existem ou que certas partes do seu corpo existem. Foram identificados três estágios da doença. Germination (onde os pacientes apresentam depressão psicótica e hipocondria); Blooming (desenvolvimento da síndrome da negação) e a terceira, Chronic (caracterizada por depressão crônica e delírios graves).

Para os iniciados que estão lendo esse post, sim, há semelhanças com esquizofrenia. Neurofisiologicamente está associada a lesões no lobo parietal e atrofia no lobo frontal. Alguns sugerem que a Síndrome de Cotard pode ter a ver com danos que resultam na não capacidade para espelhar os circuitos de neurônios, fazendo com que uma pessoa perca a capacidade da autoconsciência, inclusive. Como assim?  É que há um grupo de neurônios chamados de neurônios-espelho ou neurônios-empatia. São células nervosas que são ativadas quando realizamos uma ação ou quando observamos alguém realizar uma ação. O que nos torna capazes (e evolutivamente foi e é necessário) de identificar os nossos pares e por eles sentir empatia. E imitar o seu comportamento.  

Você não verá tantos “zumbis” por aí, afinal a síndrome (também conhecida como Síndrome do Cadáver Ambulante) é bem rara. Mas é curioso que eles estão por aí, além do papel e dos pixels da cultura pop. 

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

LIDERANÇA E CULTURA POP


Relaxando com meu colega de Garagem e de Neurociências Glawber Kieds outro dia no McDonald’s (sim, comemos lá e andamos em shopping!), inventamos de comprar o McLanche Feliz pra ganharmos os bonecos dos ThunderCats na nova promoção.   Obviamente os dois escolhemos o Mumm-Ra, o de vida eterna, lol. Que não está na forma decadente, como você pode ver na foto.

Na conversa e na sessão de fotos (momento PVT, como diz o Glawber), eu falei que até pensei em pegar o Lion-O, mas ele é chato. Como todos os líderes de equipe do universo pop que lembramos. Capitão América (chato), Ciclope (chato e bobo), Super-Homem na Liga da Justiça (chato e escoteiro, como diz o Batman), Kirk (chato e canastrão). E por aí vai, você entendeu meu ponto e deve tá lembrando de vários.

Obviamente precisamos desses chatos, tudo precisa de liderança. Como empreendedor fico lendo às vezes sobre liderança corporativa. Livros chatos. E eu mesmo sou chato muitas vezes com minhas equipes. Aliás, eu sempre falo nas palestras por aí, sobre ambiente corporativo, que todas as empresas precisam das figuras dos chatos burocratas como a Lisa Cuddy e os chatos visionários como o House. Sem qualquer um dos dois o Princeton-Plainsboro Teaching Hospital da série não teria a mesma excelência. As equipes precisam de ciclopes e de wolverines.

Teorias sobre liderança têm várias. Há até a novidade da neuroliderança, que aplica conceito das neurociências (Glawber, lembre-se do curso que ministraremos. Fãs da garagem, inscrições abertas, rsrsr). Mas sempre gosto de voltar aos clássicos. Neste caso do meu cientista social (entre os três porquinhos) favorito: Max Weber. Os outros dois são Marx e Durkheim.

Weber distingue três tipos de dominação (e liderança). A legal, a tradicional e a carismática. A dominação ou autoridade racional-legal, ou burocrática, se baseia mais em leis impessoais do que em lealdade pessoal. Obedece-se a um estatuto legal, baseado em regras criadas racionalmente. Utiliza funcionários especializados.

A tradicional repousa no respeito ao que real, alegada ou presumivelmente sempre existiu. Os dominados (súditos) seguem o “senhor”, legitimado pela história e tradição. Obedece-se fielmente à pessoa em face de sua dignidade. O quadro administrativo é formado de dependentes pessoais do senhor, não pela competência.

E a carismática se baseia nas qualidades peculiares de um líder. Baseia-se na crença de um poder extra-comum, extra-cotidiano do líder, a seus supostos poderes mágicos. Obedece-se à figura do líder e não a seu poder legal ou de uma tradição instituída. O líder não tem servidores ou funcionários, mas apóstolos, partidários ou discípulos.

Sociologicamente falando liderança passa por esses tipos ideais, normalmente os líderes da cultura pop são carismáticos, ainda que chatos por serem tão certinhos. Por isso adoramos os anti-heróis e os vilões, eles parecem mais sem regras. E todos as temos, talvez por isso idealizamos os que vivem sem muitas delas. Contudo, o bom líder precisa muitas vezes quebrar regras para liderar com eficiência e derrotar o Mumm-Ra em mais um episódio.

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ANGELINA JOLIE E A PSICO-ONCOLOGIA


Angelina Jolie é um dos ícones sagrados da Garagem Dinâmica (que muitas vezes é iconoclasta). Mas quando se trata de deusas lindas e talentosas, além de exemplo na luta por liberdade, democracia e cidadania dos menos favorecidos como é a ativista Jolie, não poderíamos deixar de reverenciá-la. Por isso meu brother Glawber Kieds e colega de Neurociências está certíssimo em não deixar passar em branco o fato de uma das mulheres mais admiradas de todos os tempos, encarnação perfeita dos ideais de Simone de Beauvoir, ter retirado os seios depois de descobrir que tinha quase 90% de chance de desenvolver câncer de mama.

Mas como somos pesquisadores de áreas diferentes abordamos o assunto de pontos de vista diferentes. Como já dizia Leonardo Boff, todo ponto de vista é a vista de um ponto. Nem que seja tudo em tons vermelhos como o de Ciclope. Nós da sociologia e da psicologia imaginamos primeiro as representações socioculturais envolvidas com o câncer, enquanto que Glawber e Cia. pensarão nos aspectos fisiológicos. E aqui na garagem você tem a visão do todo! Como na Escola para Jovens Superdotados do Professor Xavier. O câncer, diferentemente de outras doenças, tem uma carga de representações sociais, culturais e até religiosas. Por exemplo, ninguém fica se perguntando existencialmente por que teve um infarto. Ou pelo menos não por muito tempo. Ninguém gosta de ficar doente seja do que for, mas o câncer envolve questões mais profundas da psique humana. Os indivíduos que se descobrem com a doença imaginam por que estão sendo punidos, imaginam castigos divinos, imaginam que aquela doença veio de dentro de si mesmo e são, portanto, pessoas más (em amplo sentido) intrinsecamente. Não à toa existem vários exemplos na cultura pop com tema câncer. A série Breaking Bad, o filme Um Amor pra Recordar e a HQ premiada Our Cancer Year do extraordinário Harvey Pekar, são apenas três bons exemplos.

O Câncer pode ser definido como uma doença degenerativa resultante do acúmulo de lesões no material genético das células, que induz o processo de crescimento, reprodução e dispersão anormal das células no qual o controle sobre a proliferação e morte celular está alterado. Existem mais de  800 tipos diferentes de câncer, muitos deles curáveis, se detectados precocemente. O Câncer é uma doença que até hoje, mesmo com os constantes avanços tecnológicos na sua detecção e tratamento, ainda é extremamente temida e fortemente associada à morte. Desde o diagnóstico até o fim do tratamento, o paciente sofre danos tanto físicos quanto psicológicos, pois além de submeter-se a procedimentos médicos geralmente agressivos, tem sua vida totalmente transformada pela presença da doença.

Pacientes com Câncer tem necessidades diferentes de outros enfermos, o que traz uma carga extra de sofrimento psíquico e que necessita ainda mais de atendimento psicológico. E por tudo que cerca o Câncer, os mitos que o envolvem, as representações sociais, o sofrimento psíquico causado foi criada a Psico-Oncologia, uma das minhas favoritas áreas da psicologia, que trata de pessoas com essa terrível doença. Pra Angelina Jolie, portanto, não deve tá sendo fácil com todas essas questões envolvidas, além do que se refere a uma das partes mais sensíveis, ontologicamente falando, da mulher, que são os seios, símbolo de feminilidade, sensualidade, vida, saúde. Não somente corpos de gordura. Para as mulheres é o câncer mais carregado de representações. Nossas energias positivas da Garagem estão com ela, que, exemplo em tudo que faz, o possa ser novamente para tantas mulheres que sofrem com o mesmo tipo de Câncer. 

P.S.: My friend Glawber, Jojô é só para os verdadeiramente íntimos como eu, lol.

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MULHERES: NOVOS PARADIGMAS NA FICÇÃO E EM OUTRAS REALIDADES


Há dias aguardo ansioso meu novo jogo Tomb Raider chegar. Comprei em pré-venda pela Saraiva e até compartilhei em nossa fanpage no Facebook a ordem de venda. A data oficial de lançamento é hoje, dia 08 de março, não por acaso o Dia Internacional da Mulher, afinal, quem melhor representa nos games as mulheres e seus novos papéis sociais senão a forte, sexy, independente, inteligente e bem sucedida Lara Croft?


A franquia de games da antropóloga (me too! Lol)/arqueóloga “saqueadora de tumbas” fez um gigantesco sucesso global e arregimentou milhões de fãs em todo o planeta. Finalmente era possível ver uma mulher como protagonista de um game de aventura (Princesa Zelda e Princesa Peach não contam). Obviamente os seios fartos (aumentando a medida que novos jogos eram lançados) e o shortinho mostrando as compridas pernas agradava muitíssimo ao público adolescente masculino. Mas Lara tinha algo mais, era inteligente e destemida, o que também conquistou o público feminino. Uma versão feminina de Indiana Jones incialmente, mas que ganhou identidade própria à medida que as próprias mulheres do mundo real foram conquistando seu espaço. O primeiro Tomb Raider foi lançado em 1996; muito da sociedade mudou nesse tempo.

Comecei a jogar (e a me apaixonar) por Lara em Tomb Raider II, lançado em 1997, que eu jogava no meu PC (que hoje deve estar no céu dos PCs ultrapassados), madrugada adentro, deixando de lado minhas leituras de Nietzsche, Ricoeur, Gadamer, Heidegger e Sartre da faculdade de teologia de lado. E a toda hora ligava pro meu brother garageano Mauro, que com sua memória eidética para jogos me ajudava quando eu me perdia nos caminhos de Lara.


Lara que foi vivida no cinema por Angelina Jolie (outra por quem sou apaixonado). Não podia ter sido ser nenhuma outra a interpretar essa icônica personagem, afinal, na mudança de paradigmas sociais das mulheres no mundo (mais especificamente no Ocidente, claro), Jolie é uma excelente representante. Mãe, ativista, profissional, inteligente, sexy. Atriz ganhadora do Oscar em 2000 por Garota Interrompida. E que teve também sua fase porra louca, algo hoje permitido às mulheres, afinal elas também precisam experimentar o mundo. Os filmes (Lara Croft: Tom Raider  e Lara Croft Tomb Raider: A Origem da Vida) não são obras primas, mas são bem bacanas, sobretudo o primeiro. Representam bem a personagem, encarnada com perfeição por Angelina Jolie (que também protagoniza outros filmes de ação, gênero antes dominado por homens). Não percebeu as mudanças ainda? Preste atenção na publicidade, nas pesquisas, nas faculdades, nos shoppings, nas empresas. Women Power. Ou Pink Power.


E as mulheres continuam sua evolução social, que nós garageanos apoiamos veementemente, sendo inclusive interessante que nesse novo jogo da franquia (intitulado apenas de Tomb Raider), que faz um reboot para os novos tempos, Lara é a ainda jovem aprendiz de aventureira, sem shortinhos e com seios que não atentam à gravidade. Um modelo anatômico mais apropriado à nova mulher dos anos 2000, bonita sem dúvida, porém mais que um corpo físico, um corpo psicológico, sociológico, filosófico. Um ser completo no mundo. Protagonista de sua história de vida.

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GERAÇÃO Y, SONHOS E TRABALHO

Há ainda bastante controvérsia acerca dos posicionamentos no calendário de onde estão as gerações X, Y, Z, etc. A posição mais aceita é para os que nasceram entre 1978 e 1990 (Para o alívio de alguns garageanos que tentam desesperadamente achar um retrato como o de Dorian Gray). Antes disso estariam os X e depois de 1990 os Z.

É essa galera (nós, afinal só tenho quase trinta e estou na lista, lol), representados na cultura pop pelos gênios Sheldon Cooper, Leonard Hofstadter, Howard Wolowitz e Rajesh Koothrappalli de The Big Bang Theory e no mundo real (há diferença?) por Mark Zuckerberg do Facebook e Alex Kipman (brasileiro) criador do Kinect para o X-Box que estão dando as cartas no trabalho, na cultura, na moda e nos relacionamentos. 
Os Millennials (outro nome para geração Y) adoram o conhecimento relacionado à ciência, à cultura pop, a coisas desconhecidas dos demais. Novamente os nerds estão em evidência na sociedade, dessa vez positivamente. Não são mais os loosers que não são atletas e nem pegam a líder de torcida (só no final do filme). Agora são os ricos, poderosos e evidentes na imprensa, nas empresas, na fagocultura. Nerds em todas as suas variações. Geeks, Hipsters, Gamers, Trekkers, Otakus, Cinéfilos, Hackers etc. No more freaks.

Sim, eu sei, ainda tem muito millennial por aí ruminando os versos do Fernando Pessoa do poema Tabacaria:

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.

Eis o problema. Somos insubordinados e queremos sempre dar sentido a tudo. Não aceitamos trabalhar em algo que não faça sentido. Queremos mais que dinheiro, queremos mudar o mundo.  “A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte” já cantavam os Titãs (da geração X). E nesse ponto precisamos pensar num híbrido de Nikola Tesla e Thomas Edison. Dois gênios rivais, duas posturas, duas histórias. O primeiro morreu falido e esquecido. O segundo, milionário e celebrado. Prefiro o primeiro, como a maioria dos nerds, afinal ele representa o gênio desapegado e romântico que quer mudar o mundo. Mas gosto da visão de negócio do segundo. Será que sou assim por ter nascido logo no começo da geração y e, portanto, na transição?

O que acredito é em convergência. E estamos vivendo um tempo favorável a isso. Artistas sim, mas com visão de negócio. Idealistas, sim, mas com contas bancárias condizentes com nosso perfil de detentores de conhecimento. Hugh Jackman e Anne Hathaway podem ser o Wolverine e a Mulher-Gato num Blockbuster e grandes atores dramáticos em Os Miseráveis. George Clooney, Brad Pitt, o diretor Steven Soderbergh (e os demais de Onze Homens e Um Segredo) conseguem manter a postura de fazer filmes pra ganhar dinheiro (mas bons, claro) e filmes de arte. E o grande mestre ocidental dos quadrinhos, Will Eisner foi um grande empreendedor. Curiosamente o mestre oriental Osamu Tesuka também foi.

Criar, transformar, significar, amar, diferenciar, são verbos caros aos millennials. Mas que não sejamos poetas do romantismo que morriam sozinhos e com tuberculose, mas apaixonados que mudam o mundo e conseguem viver (financeiramente) dessa paixão. 

Aqui um vídeo bem legal sobre Nikola Tesla:


E a música-homenagem da cantora Amanda Palmer, mulher do Neil Gaiman (outro nerd de sucesso) à Nikola Tesla.


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TECNOLOGIA PRA LER


Deixei o pacote dos correios fechado em cima da minha mesa do quarto, como você vê na foto, criando ainda mais expectativa e esperando o melhor momento do dia pra abri-lo.  Era o pacote com meu Kindle que chegou há umas semanas. Depois de tanto tempo de espera (minha e de tantos fãs) a Amazon chegou ao Brasil. E com ela o tão aguardado leitor digital.

Certo, poderia tê-lo comprado há tempos na Amazon americana, mas o peso dos impostos de importação me desanimava. E esperava ter aquela sensação nerd de comprar assim que fosse lançado no Brasil, afinal, para um leitor compulsivo, conhecer novas tecnologias de leitura é um prazer imenso. Já havia outros leitores por aqui, mas é claro que eu queria o pioneiro, o mais famoso. Assim como quando comprei o iPad, não queria um tablet qualquer, mas o iPad, que é sem dúvida o melhor tablet pra ler. O Kindle disponível no Brasil ainda é o primeiro lançado, o mais barato, mas a ideia da Amazon é conquistar clientes e com os impostos por aqui o preço fica salgado. Mas estou ansioso que eles lancem também o Kindle Paper White.


Nessas semanas de teste tenho adorado a experiência de leitura. Sem falar que lembro de há alguns anos quando eu precisava de um livro pras minhas pesquisas tinha de peregrinar pelas livrarias de Fortaleza. Depois do advento das lojas virtuais melhorou ainda mais. Mas imagine precisar de um livro urgente, entrar no loja da Amazon pelo Kindle e em minutos estar com o livro disponível. Certamente o Gutemberg não sabia a semente que estava plantando há quase seis séculos.

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CÉREBRO DIVIDIDO


Who am I? You sure you wanna know?Peter Parker faz essa pergunta retórica para o espectador no primeiro Homem-Aranha da trilogia de Sam Raimi, pra responder explicando quem é ele e o que o torna especial, único. No caso dele poderes que geraram grandes responsabilidades. E no meu, quem sou? E no seu?

Sempre nos pareceu óbvio que cada um de nós é um indivíduo único, especial, provavelmente com uma alma ou espírito independente do corpo que nos torna singulares. Será mesmo? Já sabemos, com os avanços da neurociência e da psicologia que nossa percepção, cognição, linguagem e emoções têm raízes no nosso cérebro. Mas somos só seres fisiológicos? Como se forma nossa consciência? Por programas gravados geneticamente, interdependentes e conflituados que comandam nosso eu/pessoa/self? Ou por interações com o ambiente em que vivemos? O consenso hoje parece ser o meio termo. Somos, como diz o poeta Ferreira Gullar parte permanente, parte que se sabe de repente, influenciadas por nossas bases biológicas e culturais.

Contudo, muitas questões fisiológicas ainda são intrigantes, como o cérebro dividido. Até onde se sabe nosso cérebro é constituído por um hemisfério esquerdo que se distingue pelo pensamento intelectual, racional, verbal e analítico e um hemisfério direito que se destaca na discriminação sensorial e no pensamento emocional, não-verbal, intuitivo. Entretanto, num cérebro normal a interação entre os dois é tão complexa que é difícil dissociar claramente as funções especializadas (E pluribus unum). Através da comissurotomia, que é a desconexão cirúrgica dos dois hemisférios que é feita cortando os feixes de axônios cerebrais do corpo caloso (que une os hemisférios) é que podemos perceber diferenças. Essa cirurgia é feita em pacientes com epilepsia de tratamento medicamentoso ineficaz.

Enfim, humanos comissurotomizados (sim, diversas vezes o procedimento foi feito em gatos pra teste), são normais em quase todos os aspectos, mas existe uma assimetria enorme na sua capacidade de verbalizar respostas a questões colocadas para os dois hemisférios. Desde o século XIX é conhecida a especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem na maioria das pessoas, a chamada área de Broca. A questão está na linguagem. E de que são feitos os pensamentos? Linguagem. E de que somos constituídos? Também de linguagem? A season finale de House, quinta temporada, traz um caso ilustrativo do cérebro dividido. E de nós mesmos. Um homem comissutorizado que passa a ter personalidades distintas e nenhum controle sobre suas ações.

O exame feito pela equipe de House pra verificar as questões de linguagem reproduz o experimento dos cientistas Gazzaniga e LeDoux. Isto é, se uma pessoa comissutorizada vê uma palavra no seu campo visual esquerdo, dirá que não vê nada. Isso ocorre porque o hemisfério esquerdo, que normalmente controla a fala, não viu a palavra, e o hemisfério direito, que viu a palavra é mudo, não verbaliza. Contudo, o direito agirá conforme o que está escrito. Se palavra for "ande", o sujeito andará sem saber por que e não conseguirá dizer por que está a andar. Não somos mais os ingênuos do passado que acreditavam em espíritos do “eu”. Somos nosso cérebro. Somente? Por ora, só posso verbalizar como Peter Parker.Who am I? You sure you wanna know?

Nota: A foto desse post foi tirada por mim nas aulas de anatomia quando era inciante de psicologia. Desde lá as questões acima me intrigam, filosofando com o "cadáver desconhecido" do laboratório, lol. 

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AMIGOS COM BENEFÍCIOS



A chamada Geração Y, na qual se inserem 85,8% dos garageanos (sorry os demais, time is a bitch!), tem produzido diversas mudanças sociais. Os também chamados na sociologia de Millennials são os inquietos, multitarefas e vorazes consumidores  jovens adultos de hoje, que estão transformando e comandando o mundo.

E estão, claro, namorando, como sempre foi também na Geração X, na Baby Boom e até entre os Neandertais. Mas uma característica da Geração Y é a Amizade Colorida. Claro, o casamento está meio fora de moda, em geral só quem quer casar sãos os que não podem, como os gays e padres. A economia não precisa mais do contrato/negócio casamento para produzir, afinal estamos consumindo muito mais que antes e nós Millenials (alguns ainda moram com os pais, como o Howard de The Big Bang Theory, que apesar de casar recentemente ainda não cortou o cordão umbilical), consumimos tanto que já há agências de publicidade e institutos de pesquisa especializados nessa faixa de idade.

A amizade colorida é um arranjo social interessantíssimo (assim como foi tempos atrás o casamento arranjado). Ter intimidades físicas e sexuais com alguém que confia é saudável e já há pesquisas com casais de amigos que se relacionam sexualmente  mas sem compromisso de estabilidade, casa, comida e roupa lavada, até que a morte os separe, que mostram que isso tem funcionado bem. Com as exceções, obviamente, que comprovam a validade positiva do fenômeno. A amizade colorida é diferente do chamado ficar, que antes eu dizia para os meus alunos que era uma boa invenção, dado que você não tinha que casar com o primeiro que namorasse, como foi em gerações passadas, sobretudo para as mulheres. Contudo, é uma relação meio promíscua e vazia. Na amizade colorida há de fato amizade e lealdade. É algo mais profundo. E também não é amante. Isso é outra história e, para alguns, pecado de adultério. Um bom exemplo de amizade colorida é a dos psicólogos Charlie e Kate, da nova série do Charlie Sheen Anger Management.

Prefiro, porém, a expressão em Inglês para este fenômeno, Friends with Benefits (Amigos com Benefícios), descreve melhor e soa bem mais humorado. Aí o chato de plantão diz, “mas isso acaba magoando alguém”. Pode ser, mas todo tipo de relacionamento causa, paradoxalmente, felicidade e dor. Mas a regra é simples. Não há nesse tipo de relação envolvimento amoroso. Emocional sim, claro, mas sem comprometimento de casal, somente de amigos. Não tem casais de namorados que não são amigos e nem tem lealdade um para com o outro? Então, por que o drama? Amigos com benefícios podem ser leais, companheiros, fazem sexo e ainda ajudam a você arranjar um namorado ou namorada. Parece-me interessante, assim como pareceu ao racional Sheldon quando conversou com a Penny e ela lhe explicou do que se trata, não de pagar o plano de saúde do amigo.

Gostou da ideia? Tem um amigo ou amiga que você sente atração? (não paixão!). Pode começar convidando pra verem juntos o filme Amizade Colorida (com o Justin Timberlake e a gata da Mila Kunis), como exemplo bem sucedido desse tipo de relação e Sexo sem Compromisso (com Ashton Kutcher e a também gata Natalie Portman), como um exemplo que não termina tão bem. Sociologicamente falando.

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TECNOLOGIAS PARA VER FILMES


Alguns vão lembrar como eu da “era” em que alugar filmes em VHS era super complicado. E já informando aos que estão rindo e pensando em idade, não faz assim tanto tempo. Em locais atrasados como a província em que nasci (né, Glawber Kiedis?) a única locadora que alugava filmes também alugava os videocassetes. É, nem todo mundo tinha grana pra comprar um. Eu mesmo só fui ter um em casa quando minha irmã comprou um pra ela. Eu, claro, monopolizava, já que ela nunca gostou muito de cinema. Quem não passou por isso não sabe o “prazer” que era rebobinar a fita antes de devolver.

O tempo passou e os DVDs chegaram. Em 1998 no auge de Titanic comprei meu último VHS. Em versão especial! Claro, hoje nego, mas adorava o filme. Com os DVDs veio também a pirataria mais fácil. Camelôs enchendo as ruas e nossa paciência por não podermos andar nas calçadas. Nessa época comprei minha primeira TV (só 20 polegadas, de tubo e tela curva!) e meu primeiro DVD. Era da hoje inexpressiva marca Gradiente. Ainda funciona. Gastei uma grana alugando filmes, sobretudo quando abriram uma Distrivídeo na Unifor, onde eu estudava. Afinal, somente lá tinha os filmes que eu gostava, as locadoras de bairro e camelôs só tinham os “grandes” filmes do Steven Seagal.

Além de cinéfilo sou também colecionador, infelizmente. Boa parte da minha grana vai pra comprar filmes que nunca mais verei, só as traças das minhas casas (sim, moro em dois lugares, como alguns dos colegas garageanos, que se dividem em Redenção (Smallville) e Fortaleza (Metrópolis). Substituí meus VHS todos por DVDs. Uma grana. Mas felizmente não preciso trocá-los por Blu-rays. Economia de grana. Os aparelhos de blu-ray também leem DVDs.

E como cinéfilo preciso acompanhar as tecnologias de leitura de vídeo (e de captação, mas isso será falado em outro post). Comprei minha primeira TV LCD há uns anos, 22 polegadas somente, e substituí meu velho Gradiente por um Samsung Full HD. Fiquei emocionado quando assisti The Big Bang Theory em alta resolução pela primeira vez. Meu número cabalístico era 1080p. Logo comprei outra TV LCD, dessa vez de 32”. E um aparelho Blu-ray. Queria mais nitidez que meu DVD Full HD (que hoje não é mais encontrado à venda nas lojas). Quem chegava na minha casa eu logo mostrava Avatar, influenciando-os para também jogarem fora suas imensas TVs de tubo fora. Nessa época descobri que comprar filmes na Amazon mesmo em dólar saía mais barato que comprar por aqui. E o melhor, sem legenda em português, desculpa para não emprestar (lol).  Infelizmente meus amigos passaram a estudar Inglês também.

Ainda não contente comprei outra TV, dessa vez de LED, Smart TV e 3D. E outro Blu-ray. Moro em dois lugares lembra? E um PS3, melhor custo benefício pra assistir filmes em 3D. E ainda dá pra jogar, entre outros, Arkhan City e me sentir o Batman. Infelizmente a tecnologia blu-ray é natimorta, afinal, o bacana do momento é alugar os filmes on-line via iTunes, Netflix, Saraiva, ou Sky e outros mais. Pra colecionadores, insuficiente, claro, já que gosto de ter também os objetos com encartes e boxes especiais. Mas limito-me hoje a comprar somente os filmes que mexem realmente comigo. Assim como fazia com Avatar hoje mostro Hugo como melhor exemplo de magia 3D.

E quem não quer comprar ou alugar acaba pirateando na internet (não recomendo!). Versões piratas em mkv não deixam em nada a desejar aos blu-rays em definição. E em avi pra os menos exigentes lembram os DVDs. Mas nada de rmvb, sempre detestei.  E com o cerco se fechando aos pirateiros nos servidores de internet, melhor baixar em Torrent. Mas o aluguel on-line hoje é tão barato e prático (não precisa pegar trânsito pra ir à locadora, nem pagar a taxa de entrega) que não vejo motivo pra piratear. As locadoras estão fechando. O bacana mesmo é usar a Apple TV, que comprei e me arrependi, ou a própria Smart TV para, além de alugar on line, ver vídeos no You Tube e Vimeo, por exemplo. Inclusive ouvir e assistir à Garagem Dinâmica.

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O SER PARA O OUTRO



A frase central do filme O Feitiço do Tempo de 1983 é Today is tomorrow. É dita pelo protagonista no ponto alto do filme, onde o mundo percebido por ele torna-se diferente. Seu personagem é Phill Connors, apresentador meteorológico. Ou homem do tempo.
Nesse filme vemos a importância de ser para o outro. Seguindo a linha de enredosnonsense de seriados clássicos como Além da Imaginação, o protagonista se vê acordando todos os dias no mesmo lugar e no mesmo dia. Enquanto todos os outros experimentam e percebem o dia como se fosse apenas mais um como outro qualquer.
O objeto fenomenológico para Phill é a experiência do dia repetido, registrando todas as experiências e interações sociais da manhã até a noite. Ele conhece, ao longo das centenas de dias repetidos, os dramas, histórias de vida e aspirações das pessoas com quem interage. Com algumas delas tem até experiências sexuais. Mas no dia seguinte, para ele o mesmo, ninguém mais se lembra do que viveram com ele. Ele percebe os outros através de memórias que os outros não as têm. E esses outros o percebem sem as experiências. Ele não é para os outros, não há acúmulo de trocas simbólicas entre eles. O ser para o outro desaparece. Como dizia Sartre, "O ser Para-si só é Para-si através do outro". Sozinhos somos constantes "tornar-se", "vir a ser" que nunca se completam.
Viver sem a memória do outro acerca de nós é solidão infinita. É ser invisível à percepção do outro. Por isso mesmo o protagonista diz que é um deus. O Deus cristão sabe, teologicamente falando na questão da onisciência, tudo acerca de nós, pensamentos e atos. Somos objetos fenomenológicos conhecidos por Ele, em nossa essência e existência, mas não o conhecemos a não ser, para os religiosos que acreditam, através dos relatos de sua palavra revelada, através dos livros considerados canônicos da Bíblia. E para outros, através da natureza. Da beleza do chamado Design Inteligente. Mas não o percebemos por completo. Deus seria, portanto, solitário. Sem falar que poderia fazer tudo, como o protagonista do filme, sem prestar contas a ninguém.
Claro que seguindo as tramas hollywoodianas o filme termina com o amor solucionando tudo. A percepção do dia de Phill Connors é pessimista. A la Schopenhauer. Percebe a si mesmo, nessas sequências repetidas como vaidoso e arrogante. Personagem que casa bem com as caras e bocas de Bill Muray que está ótimo no filme. Parece até que levou o mesmo personagem para outro filme que fez mais tarde, Encontros e Desencontros da premiada diretora Sophia Copolla, que assisti antes de O Feitiço do Tempo. Em Encontros e Desencontros a percepção da existência e do amor também é pessimista. O dia mal visto e repetitivo do protagonista (“Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias” nas palavras de Fernando Pessoa) se torna bom quando ele encontra o amor em sua assistente. O dia se torna outro. Today is tomorrow.
E Phill pôde finalmente apreciar a letra da música que todos os dias o acordava no rádio-relógio, infernizando-o.Babe I got You Babe I got you babe...

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VINHOS E PESSOAS INTERESSANTES



Sair com amigos e/ou amigos e amigas com benefícios em viagens e aprender algo no caminho, tendo a própria viagem por metáfora. Eis o mote dos roadie movies. No caminho, belas paisagens, descobertas, lugares exóticos, pessoas interessantes. Tem algo melhor? Imagine então uma viagem de dois amigos, um deles apreciador de vinhos, escritor frustrado, meio depressivo, recém separado. O outro, ator pouco conhecido, extrovertido, bonitão e meio bronco. A viagem é de despedida de solteiro deste último e passa pela Costa Central da Califórnia em vinhedos deslumbrantes. Esse é o plot de Sideways, uma comédia meio drama sobre vinhos e amizade. No Brasil acrescentaram o subtítulo Entre umas e outras. Péssimo.

O filme foi vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado. E de dois globos de ouro, melhor filme e melhor roteiro. Paul Giamatti no papel principal está soberbo (como sempre é). Um papel deprimido, profundo, introvertido e inteligente. Em meio a várias garrafas de Cabernet Sauvignon, Carménère, Pinot noir e Merlot os diálogos são afiados e interessantes. O encontro com duas mulheres, cada uma compatível com um dos amigos apimentam a trama do filme.  Apreciadores de vinho, conversas inteligentes e, claro, sexo. Mas nada de enochatos que falam coisas ridículas como “percebo folhas de outono revestidas de caramelo”, mas seres no mundo como diária Sartre, que sabem apreciar as coisas boas da vida, uma delas vinho, que com companhia ideal se torna catalizador de grandes momentos existenciais.

Já usei até uma das cenas do filme como desculpa (válida) para uma amiga quando me esqueci de levar para o nosso encontro as taças de vinho. Miles, o protagonista tem uma garrafa de vinho rara que guarda há tempos para uma ocasião especial. Ele é cheio de rituais para tomar vinho, mas acaba tomando esse num copo do McDonald’s comendo sanduiche, tudo por uma questão que não vou contar por ser spoiler. Mas é o momento Carpe Diem dele. Usei isso com a amiga, e estava sendo sincero. Tomamos o vinho naquele dia singular em copos de cerveja. Meus amigos sabem que odeio trocar os tipos de copo. Tenho que beber no adequado para cada bebida. Mas foi o nosso momento Carpe Diem.

Convide amigos e amigas interessantes pra assistir a esse filme encantador com você. Escolha um bom vinho. Apreciá-los é como apreciar obras de arte. Mas veja, não dê uma de conhecedor de vinhos sem ser. Por exemplo, é clichê dizer que vinho quanto mais velho melhor. Bobagem. Eles chegam num ponto excelente em determinada idade, dependendo do tipo, depois só decaem. Ou estragam mesmo. Como algumas pessoas. Outra coisa, nem todo vinho é ruim por ser barato, mas fuja dos baratos demais, eles realmente são péssimos. Nada de vinho “suave”, isso é a cara de quem não saca nada de vinhos. Os bons vinhos são secos. Se você quer um não tão encorpado peça um leve. Harmonização também é importante com o tipo de comida, mas pra ver o filme alguns petiscos são suficientes. Mas se for comer algo mais elaborado sempre pense em vinhos tintos para carnes vermelhas, branco para carnes brancas e rosé para coisas (ruins) como camarão (detesto). Mas, regra geral: se tiver com uma amiga colorida vendo o filme com você, meu caro, beba o que ela quiser. Até em copo de cerveja.

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