AMIGOS COM BENEFÍCIOS



A chamada Geração Y, na qual se inserem 85,8% dos garageanos (sorry os demais, time is a bitch!), tem produzido diversas mudanças sociais. Os também chamados na sociologia de Millennials são os inquietos, multitarefas e vorazes consumidores  jovens adultos de hoje, que estão transformando e comandando o mundo.

E estão, claro, namorando, como sempre foi também na Geração X, na Baby Boom e até entre os Neandertais. Mas uma característica da Geração Y é a Amizade Colorida. Claro, o casamento está meio fora de moda, em geral só quem quer casar sãos os que não podem, como os gays e padres. A economia não precisa mais do contrato/negócio casamento para produzir, afinal estamos consumindo muito mais que antes e nós Millenials (alguns ainda moram com os pais, como o Howard de The Big Bang Theory, que apesar de casar recentemente ainda não cortou o cordão umbilical), consumimos tanto que já há agências de publicidade e institutos de pesquisa especializados nessa faixa de idade.

A amizade colorida é um arranjo social interessantíssimo (assim como foi tempos atrás o casamento arranjado). Ter intimidades físicas e sexuais com alguém que confia é saudável e já há pesquisas com casais de amigos que se relacionam sexualmente  mas sem compromisso de estabilidade, casa, comida e roupa lavada, até que a morte os separe, que mostram que isso tem funcionado bem. Com as exceções, obviamente, que comprovam a validade positiva do fenômeno. A amizade colorida é diferente do chamado ficar, que antes eu dizia para os meus alunos que era uma boa invenção, dado que você não tinha que casar com o primeiro que namorasse, como foi em gerações passadas, sobretudo para as mulheres. Contudo, é uma relação meio promíscua e vazia. Na amizade colorida há de fato amizade e lealdade. É algo mais profundo. E também não é amante. Isso é outra história e, para alguns, pecado de adultério. Um bom exemplo de amizade colorida é a dos psicólogos Charlie e Kate, da nova série do Charlie Sheen Anger Management.

Prefiro, porém, a expressão em Inglês para este fenômeno, Friends with Benefits (Amigos com Benefícios), descreve melhor e soa bem mais humorado. Aí o chato de plantão diz, “mas isso acaba magoando alguém”. Pode ser, mas todo tipo de relacionamento causa, paradoxalmente, felicidade e dor. Mas a regra é simples. Não há nesse tipo de relação envolvimento amoroso. Emocional sim, claro, mas sem comprometimento de casal, somente de amigos. Não tem casais de namorados que não são amigos e nem tem lealdade um para com o outro? Então, por que o drama? Amigos com benefícios podem ser leais, companheiros, fazem sexo e ainda ajudam a você arranjar um namorado ou namorada. Parece-me interessante, assim como pareceu ao racional Sheldon quando conversou com a Penny e ela lhe explicou do que se trata, não de pagar o plano de saúde do amigo.

Gostou da ideia? Tem um amigo ou amiga que você sente atração? (não paixão!). Pode começar convidando pra verem juntos o filme Amizade Colorida (com o Justin Timberlake e a gata da Mila Kunis), como exemplo bem sucedido desse tipo de relação e Sexo sem Compromisso (com Ashton Kutcher e a também gata Natalie Portman), como um exemplo que não termina tão bem. Sociologicamente falando.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

MEMÓRIA

as músicas que eu ouvia
não ouço mais
os filmes que me inspiravam
não inspiram mais
os livros que me marcavam
não marcam mais
onde estão os amigos e as experiências de outrora?
o que acontece com o passado
por nós maquiado
causador de saudade?

pra que tanta gente
pra que tanta fala
pra que tanto tempo
se desaparecemos
se nos transformamos
se somos quem devíamos ser
não quem queremos

por que não podemos por nas mãos as lembranças?
por que deixar coisas e pessoas pelo caminho?
por que não podemos ser inteiros?

por qual motivo temos de ter consciência?

o que quero é férias de mim mesmo
e um pouco de riso
amigos com tempo
beijos sinceros
relacionamentos sem jogos

não tenho, mea culpa, obsessão pelo sofrimento
quero tudo de volta
viver de novo, não errar mais
pedir perdão aos que magoei
não sou sacerdote, desculpe
sou profeta da liberdade

preciso do que restou na caixa de Pandora
e ter esperança
de um céu particular onde me esperam
um sábio pra responder minhas perguntas
e o tal do Livro da Vida
com tudo que fiz, senti e pensei
pra que eu descubra, finalmente, quem sou

Publicado originalmente no zine Os Putos e as Donzelas # 10 (Jul/Ago de 2006) do grupo literário Luminários.

X BIENAL DO LIVRO DO CEARÁ


Estive presente na X Bienal Internacional do Livro do Ceará, realizada entre os dias 08 e 18 de novembro de 2012,  lançando meus livros infantis publicados pelo Instituto Maria Ester. Aproveitando o tema da bienal deste ano, Padaria Espiritual, lançamos a segunda edição de Café com Pão, Bolacha Não. Anteriormente publicado pela Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC), com tiragem de 30 mil exemplares e distribuição em todas as escolas públicas do Estado. No estande da SEDUC todos os dias foram realizadas oficinas para as crianças utilizando o Café com  Pão Bolacha Não, aproveitando também o tema.
Além desse, lancei Luiz Lua e sua Sanfona Mágica, inspirado em Luiz Gonzaga e no centenário de seu nascimento, que será em 13 de Dezembro.



TECNOLOGIAS PARA VER FILMES


Alguns vão lembrar como eu da “era” em que alugar filmes em VHS era super complicado. E já informando aos que estão rindo e pensando em idade, não faz assim tanto tempo. Em locais atrasados como a província em que nasci (né, Glawber Kiedis?) a única locadora que alugava filmes também alugava os videocassetes. É, nem todo mundo tinha grana pra comprar um. Eu mesmo só fui ter um em casa quando minha irmã comprou um pra ela. Eu, claro, monopolizava, já que ela nunca gostou muito de cinema. Quem não passou por isso não sabe o “prazer” que era rebobinar a fita antes de devolver.

O tempo passou e os DVDs chegaram. Em 1998 no auge de Titanic comprei meu último VHS. Em versão especial! Claro, hoje nego, mas adorava o filme. Com os DVDs veio também a pirataria mais fácil. Camelôs enchendo as ruas e nossa paciência por não podermos andar nas calçadas. Nessa época comprei minha primeira TV (só 20 polegadas, de tubo e tela curva!) e meu primeiro DVD. Era da hoje inexpressiva marca Gradiente. Ainda funciona. Gastei uma grana alugando filmes, sobretudo quando abriram uma Distrivídeo na Unifor, onde eu estudava. Afinal, somente lá tinha os filmes que eu gostava, as locadoras de bairro e camelôs só tinham os “grandes” filmes do Steven Seagal.

Além de cinéfilo sou também colecionador, infelizmente. Boa parte da minha grana vai pra comprar filmes que nunca mais verei, só as traças das minhas casas (sim, moro em dois lugares, como alguns dos colegas garageanos, que se dividem em Redenção (Smallville) e Fortaleza (Metrópolis). Substituí meus VHS todos por DVDs. Uma grana. Mas felizmente não preciso trocá-los por Blu-rays. Economia de grana. Os aparelhos de blu-ray também leem DVDs.

E como cinéfilo preciso acompanhar as tecnologias de leitura de vídeo (e de captação, mas isso será falado em outro post). Comprei minha primeira TV LCD há uns anos, 22 polegadas somente, e substituí meu velho Gradiente por um Samsung Full HD. Fiquei emocionado quando assisti The Big Bang Theory em alta resolução pela primeira vez. Meu número cabalístico era 1080p. Logo comprei outra TV LCD, dessa vez de 32”. E um aparelho Blu-ray. Queria mais nitidez que meu DVD Full HD (que hoje não é mais encontrado à venda nas lojas). Quem chegava na minha casa eu logo mostrava Avatar, influenciando-os para também jogarem fora suas imensas TVs de tubo fora. Nessa época descobri que comprar filmes na Amazon mesmo em dólar saía mais barato que comprar por aqui. E o melhor, sem legenda em português, desculpa para não emprestar (lol).  Infelizmente meus amigos passaram a estudar Inglês também.

Ainda não contente comprei outra TV, dessa vez de LED, Smart TV e 3D. E outro Blu-ray. Moro em dois lugares lembra? E um PS3, melhor custo benefício pra assistir filmes em 3D. E ainda dá pra jogar, entre outros, Arkhan City e me sentir o Batman. Infelizmente a tecnologia blu-ray é natimorta, afinal, o bacana do momento é alugar os filmes on-line via iTunes, Netflix, Saraiva, ou Sky e outros mais. Pra colecionadores, insuficiente, claro, já que gosto de ter também os objetos com encartes e boxes especiais. Mas limito-me hoje a comprar somente os filmes que mexem realmente comigo. Assim como fazia com Avatar hoje mostro Hugo como melhor exemplo de magia 3D.

E quem não quer comprar ou alugar acaba pirateando na internet (não recomendo!). Versões piratas em mkv não deixam em nada a desejar aos blu-rays em definição. E em avi pra os menos exigentes lembram os DVDs. Mas nada de rmvb, sempre detestei.  E com o cerco se fechando aos pirateiros nos servidores de internet, melhor baixar em Torrent. Mas o aluguel on-line hoje é tão barato e prático (não precisa pegar trânsito pra ir à locadora, nem pagar a taxa de entrega) que não vejo motivo pra piratear. As locadoras estão fechando. O bacana mesmo é usar a Apple TV, que comprei e me arrependi, ou a própria Smart TV para, além de alugar on line, ver vídeos no You Tube e Vimeo, por exemplo. Inclusive ouvir e assistir à Garagem Dinâmica.

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O SER PARA O OUTRO



A frase central do filme O Feitiço do Tempo de 1983 é Today is tomorrow. É dita pelo protagonista no ponto alto do filme, onde o mundo percebido por ele torna-se diferente. Seu personagem é Phill Connors, apresentador meteorológico. Ou homem do tempo.
Nesse filme vemos a importância de ser para o outro. Seguindo a linha de enredosnonsense de seriados clássicos como Além da Imaginação, o protagonista se vê acordando todos os dias no mesmo lugar e no mesmo dia. Enquanto todos os outros experimentam e percebem o dia como se fosse apenas mais um como outro qualquer.
O objeto fenomenológico para Phill é a experiência do dia repetido, registrando todas as experiências e interações sociais da manhã até a noite. Ele conhece, ao longo das centenas de dias repetidos, os dramas, histórias de vida e aspirações das pessoas com quem interage. Com algumas delas tem até experiências sexuais. Mas no dia seguinte, para ele o mesmo, ninguém mais se lembra do que viveram com ele. Ele percebe os outros através de memórias que os outros não as têm. E esses outros o percebem sem as experiências. Ele não é para os outros, não há acúmulo de trocas simbólicas entre eles. O ser para o outro desaparece. Como dizia Sartre, "O ser Para-si só é Para-si através do outro". Sozinhos somos constantes "tornar-se", "vir a ser" que nunca se completam.
Viver sem a memória do outro acerca de nós é solidão infinita. É ser invisível à percepção do outro. Por isso mesmo o protagonista diz que é um deus. O Deus cristão sabe, teologicamente falando na questão da onisciência, tudo acerca de nós, pensamentos e atos. Somos objetos fenomenológicos conhecidos por Ele, em nossa essência e existência, mas não o conhecemos a não ser, para os religiosos que acreditam, através dos relatos de sua palavra revelada, através dos livros considerados canônicos da Bíblia. E para outros, através da natureza. Da beleza do chamado Design Inteligente. Mas não o percebemos por completo. Deus seria, portanto, solitário. Sem falar que poderia fazer tudo, como o protagonista do filme, sem prestar contas a ninguém.
Claro que seguindo as tramas hollywoodianas o filme termina com o amor solucionando tudo. A percepção do dia de Phill Connors é pessimista. A la Schopenhauer. Percebe a si mesmo, nessas sequências repetidas como vaidoso e arrogante. Personagem que casa bem com as caras e bocas de Bill Muray que está ótimo no filme. Parece até que levou o mesmo personagem para outro filme que fez mais tarde, Encontros e Desencontros da premiada diretora Sophia Copolla, que assisti antes de O Feitiço do Tempo. Em Encontros e Desencontros a percepção da existência e do amor também é pessimista. O dia mal visto e repetitivo do protagonista (“Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias” nas palavras de Fernando Pessoa) se torna bom quando ele encontra o amor em sua assistente. O dia se torna outro. Today is tomorrow.
E Phill pôde finalmente apreciar a letra da música que todos os dias o acordava no rádio-relógio, infernizando-o.Babe I got You Babe I got you babe...

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VINHOS E PESSOAS INTERESSANTES



Sair com amigos e/ou amigos e amigas com benefícios em viagens e aprender algo no caminho, tendo a própria viagem por metáfora. Eis o mote dos roadie movies. No caminho, belas paisagens, descobertas, lugares exóticos, pessoas interessantes. Tem algo melhor? Imagine então uma viagem de dois amigos, um deles apreciador de vinhos, escritor frustrado, meio depressivo, recém separado. O outro, ator pouco conhecido, extrovertido, bonitão e meio bronco. A viagem é de despedida de solteiro deste último e passa pela Costa Central da Califórnia em vinhedos deslumbrantes. Esse é o plot de Sideways, uma comédia meio drama sobre vinhos e amizade. No Brasil acrescentaram o subtítulo Entre umas e outras. Péssimo.

O filme foi vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado. E de dois globos de ouro, melhor filme e melhor roteiro. Paul Giamatti no papel principal está soberbo (como sempre é). Um papel deprimido, profundo, introvertido e inteligente. Em meio a várias garrafas de Cabernet Sauvignon, Carménère, Pinot noir e Merlot os diálogos são afiados e interessantes. O encontro com duas mulheres, cada uma compatível com um dos amigos apimentam a trama do filme.  Apreciadores de vinho, conversas inteligentes e, claro, sexo. Mas nada de enochatos que falam coisas ridículas como “percebo folhas de outono revestidas de caramelo”, mas seres no mundo como diária Sartre, que sabem apreciar as coisas boas da vida, uma delas vinho, que com companhia ideal se torna catalizador de grandes momentos existenciais.

Já usei até uma das cenas do filme como desculpa (válida) para uma amiga quando me esqueci de levar para o nosso encontro as taças de vinho. Miles, o protagonista tem uma garrafa de vinho rara que guarda há tempos para uma ocasião especial. Ele é cheio de rituais para tomar vinho, mas acaba tomando esse num copo do McDonald’s comendo sanduiche, tudo por uma questão que não vou contar por ser spoiler. Mas é o momento Carpe Diem dele. Usei isso com a amiga, e estava sendo sincero. Tomamos o vinho naquele dia singular em copos de cerveja. Meus amigos sabem que odeio trocar os tipos de copo. Tenho que beber no adequado para cada bebida. Mas foi o nosso momento Carpe Diem.

Convide amigos e amigas interessantes pra assistir a esse filme encantador com você. Escolha um bom vinho. Apreciá-los é como apreciar obras de arte. Mas veja, não dê uma de conhecedor de vinhos sem ser. Por exemplo, é clichê dizer que vinho quanto mais velho melhor. Bobagem. Eles chegam num ponto excelente em determinada idade, dependendo do tipo, depois só decaem. Ou estragam mesmo. Como algumas pessoas. Outra coisa, nem todo vinho é ruim por ser barato, mas fuja dos baratos demais, eles realmente são péssimos. Nada de vinho “suave”, isso é a cara de quem não saca nada de vinhos. Os bons vinhos são secos. Se você quer um não tão encorpado peça um leve. Harmonização também é importante com o tipo de comida, mas pra ver o filme alguns petiscos são suficientes. Mas se for comer algo mais elaborado sempre pense em vinhos tintos para carnes vermelhas, branco para carnes brancas e rosé para coisas (ruins) como camarão (detesto). Mas, regra geral: se tiver com uma amiga colorida vendo o filme com você, meu caro, beba o que ela quiser. Até em copo de cerveja.

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A VIDA É AQUI E AGORA



Um dos melhores períodos da vida é sem dúvida a adolescência. Essa coisa deaborrecentes deprimidos e rebeldes acontece, sim, sem dúvida, mas no geral é o período das grandes experimentações, em que tudo é novo e atraente. E apesar do saco que é muitas vezes estar em sala de aula, é na escola que experienciamos alguns dos mais interessantes momentos da vida. Beijo, sexo, amizades, festas, álcool e outras coisas mais. E fugimos das aulas, matamos, gazeamos, aí depende do contexto geográfico como chamamos o ato, mas é um dos mais excitantes.

Um clássico da Sessão da Tarde da TV Globo, trata exatamente disso, tirar um dia de folga matando aula. Quem ainda não assistiu a Curtindo a Vida Adoidado? Uma tradução legal do título em inglês,  Ferris Bueller’s Day Off. Ferris (inesquecível interpretação de Matthew Broderick) é o cara boa vida que só se preocupa em curtir, é o cool do colégio e Cameron seu amigo travado e ansioso representa o loser.

Viver o presente como diz Ferris, eis uma tarefa difícil. Constantemente pensamos no passado, nos perguntando por que tomamos determinadas decisões e ansiamos o futuro, achando que a felicidade está lá. A realidade, contudo, é que não existe passado e futuro literais, pelo menos na perspectiva de temporalidade da fenomenologia e do existencialismo. O tempo é estabelecido na relação entre o sujeito e o objeto. O mesmo dia vivido por duas pessoas pode ter significados bem diferentes para cada um. No caso do filme, para Ferris e sua namorada foi um grande momento o dia de folga da escola, para Cameron a preocupação constante com a punição pelo que estava fazendo e a ansiedade por isso provocada fez com que a experiência não fosse nada agradável, apesar de alguns flashes de alegria. Mas ele não estava vivendo o momento.

Não há controle sobre o incontrolável. Não há resposta a por que nos acontece algo, bom ou ruim, mas há o como lidamos com o que nos acontece. Coisas acontecem o tempo todo, boas e ruins. O pior dia da sua vida é o melhor na vida de milhões. Não temos controle como o Cameron gostaria, temos o momento como Ferris prega.  Viver o momento é o desafio. Não se preocupar com o fim da jornada, mas com o caminho. Até Jesus dizia: “Basta a cada dia seu próprio mal”!

Cameron diz pra namorada de Ferris, Sloane, num dos momentos clássicos do filme, em que Ferris dança Twist and Shout na parada em Nova York que o amigo sabe lidar com tudo, e ele gostaria de ser assim. Eis onde está a resposta. É como lidamos com o incontrolável. Sloane pergunta a Cameron o que acha que Ferris será um dia. Cameron diz, sei lá, cozinheiro em Vênus. Sim, Ferris pode qualquer coisa. Sim, nós também. É só viver o momento. 

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RESISTIR À VIDA



Quando a Globo criou sua loja virtual para vender produtos relacionados à sua programação e também DVDs e Blu-rays de séries e novelas, fiquei entusiasmado com a possibilidade de rever a novela Tieta. Há muito esperava que eles lançassem em DVD.  Minha espera chegou ao fim há algumas semanas atrás. Comprei o Box com 11 discos e a revi toda em duas semanas. A novela é de 1989 e antes que algum engraçadinho diga que estou velho saiba que eu assisti na reprise em Vale à Pena Ver de Novo.

A melhor novela que já assisti. Roteiro impecável, trilha sonora memorável, atuações perfeitas. Quem não se lembra de Perpétua magistralmente interpretada por Joana Fomm? Você sabe o que ela guardava na caixa, né? Ou da tia maravilhosa, sonho de adolescentes, inclusive eu, mas não tive uma Tieta infelizmente. Ou de Seu Modesto Pires e sua Teúda e Manteúda. Enfim, personagens extraordinários, concebidos na mente brilhante de Jorge Amado, de cujo livro homônimo Aguinaldo Silva construiu seu roteiro.

Tieta, ou Antonieta Esteves, Antonieta Cantarelli, ou ainda Madame Antoinette (você verá o porquê de tantos nomes dados à personagem vivida por Betty Faria), é uma personagem símbolo de superação. Foi expulsa a pauladas da cidadezinha Santana do Agreste por seu Pai Zé Esteves que não tolerava o comportamento liberal da filha, influenciado pelas intrigas de Perpétua, a irmã invejosa. A jovem vai com a roupa do corpo, humilhada na frente de várias pessoas da cidade que nada fizeram para ajudá-la. Vinte anos depois ela volta à cidade, rica e poderosa, causando admiração, estupefação, inveja e respeito. A partir daí, a trama se desenrola em pontas que irão ser amarradas até o fim de seus 139 capítulos.

Tieta é uma resiliente. Que é como se chama na Psicologia alguém capaz de recompor-se, de renascer das adversidades e sair fortalecido, com recursos que o levam a seguir um caminho saudável. O termo vem da Física, significando a propriedade de um corpo que, deformado, volta ao estado original quando cessam as fontes de tensão. O conceito tem sido usado pela Psicologia há pouco mais de 20 anos e está ligado ao movimento da Psicologia Positiva, que investiga aspectos potencialmente saudáveis do ser humano, e não a psicopatologia como o faz a psicologia tradicional. Num dos diálogos que Tieta tem com Imaculada, uma personagem que se tornou central na novela (no livro é secundária), diz que nunca esperou que um príncipe viesse salvá-la, ela mesma se salvou. Resiliência é isso, muito mais que sobreviver, instinto natural. É uma capacidade que permite ir em frente de modo saudável e organizado. Jorge Amado sempre concebeu mulheres fortes em seus livros, Tieta sem dúvida é a que mais se destaca. Como disse o hilário bêbado da cidade de Santana do Agreste, Bafo de Bode, Tieta não é só uma mulher é uma plantação inteirinha de xibiu.

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VIDA AO VIVO



Imagine-se descobrindo um dia que sua vida é um grande reality show, que tudo que você vive, desde o seu nascimento, é uma espécie de Big Brother assistido por milhões de pessoas. Que a cidade em que você mora é um gigantesco estúdio, que sua mulher, pais, amigos e colegas de trabalho são atores que foram contratados para interagirem com você e lhe dar a impressão de viver num “mundo real”. E pior, mais profundamente, que no campo das suas subjetividades, seus medos, seus gostos, seus modos de ser e de pensar foram “implantados” em você através de anos de interações sociais falsas, construídas na exatidão para moldar seu comportamento. Foi o que Truman, no inesquecível filme O Show de Truman, de 1998, descobriu.

Tema absurdo? Não na sociedade em que vivemos, onde cada vez menos conseguimos distinguir o que é público e o que é privado. E tomando o filme como metáfora você nunca imaginou que sua vida fosse falsa e que intimamente há um eu gritando desesperadamente em busca de algo mais? De algo mais próximo do que você deseja? A beleza do filme reside aí. Truman, interpretado magnificamente por Jim Carrey, tem um desejo profundo de sair de sua vidinha e sua cidadezinha e ver como é o mundo para além do que está à sua frente. Motivado por um amor do passado ele começa a perceber que tem algo estranho em sua vida e passa a sentir um desejo incontrolável de mudança.

Tudo na existência de Truman é um empecilho pra que ele viaje, afinal, o cenário tem limites geográficos. Ele é moldado em medos que o fazem sempre desistir da viajem que sonha, como medo de avião e medo do mar. E sempre há a propaganda oficial que o bombardeia diariamente de que a cidade em que mora é a melhor dos EUA e que seu emprego é ótimo, sua casa linda, sua mulher perfeita, tudo para que se conforme. Parece sua vida? Sim, não é mera coincidência. Veja o filme e se identifique ainda mais. Eu mesmo me vi lá na cidade de Seaheaven quando o assisti pela primeira vez há 14 anos, mas abri a porta (como Truman) que separava a minha vida construída até então para a que eu queria de fato ter. Ao ver o filme você entenderá por que eu disse isso. E torço pra que, ao vê-lo, se você também sentir que há algo errado na sua vida, não mais dê ouvidos a seja o que for que te impedir de ter uma vida plena, e abra sua porta.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

O AMOR NÃO ACABA QUANDO A VELHICE CHEGA

quando formos velhos
e o tempo tiver me transformado em outro
e eu já não recorde dos melhores anos de minha existência
lembre-me o quanto fui feliz com você
em quantas vezes disse que te amava num só dia
de como eu olhava para você
e nada mais importava
de como eu quis parar o tempo
ser senhor da própria história
e escreve-la apenas com você
a pessoa mais importante da minha vida
a quem amei acima de tudo e de todos
lembre-me de quem eu era
mesmo que seja de como você me via
diga-me que cumprimos a lista das coisas que faríamos juntos
que o amor proibido foi revelado
e nos casamos naquela igreja
e seguimos aquela estrada
até aquele lugar
prove-me que encontrei o que buscava
que tive a grande idéia
e não serei esquecido
ainda que me interpretem errado
e me biografem inverdades
traga a caixa com nossos retratos
momentos congelados de quem fomos
sorrisos de dias que importaram
memórias desses anos em que te disse
eu amo você meu amor
você é minha razão de viver
fomos escolhidos
viveremos felizes para sempre
até morrermos juntos
porque, prometemos um ao outro,
ou os dois vivem
ou os dois morrem

Publicado originalmente no jornal O Povo de 10 de junho de 2007

CRAZY DIAMOND

Ver o que ninguém mais vê é possível
disse-te no instante mágico
quando eu mesmo vi e olhei
para insatisfação de meu cético espírito
que não enxerga nos outros
correspondentes de existência
tua imagem rasgada
da fotografia dos demais

Vi em teus sonhos desejos
para a minha pregação agora ouvida
Crazy Diamond te batizei
em meu universo paralelo
refúgio de mim mesmo

Foste para lá na carruagem negra que fiz para ti
e choram minhas criaturas imaginárias
pelo real que representas
em meus devaneios oníricos
e quando ainda respiras por aí
quando me distraio em afazeres mundanos

Já posso brigar com Freud
e jogar fora o Prozac
converti-me a ti
a oração assindética é mais forte

Publicado originalmente no zine Os Putos e as Donzelas # 09 (Mai/Jun de 2006) do grupo literário Luminários.

SCARCITY


The action figure of Batman is in the shelf
You know my details
The black of his uniform
He reminds me the black of your dress
Of when you came to me
Insight of the muse that made love
And the color of that night
It was added to the color of the gift not used

The same that is used to say good-bye of somebody

Your color, so white, didn't contrast with the color of the gift
That became incomplete
The image of the black dress stays and of your white color
Of the night in that we met each other

And how it contained light!
(Or not)
Impossible to contain so much shine

This is the memory that I keep

The same of when, vulnerable, I was in your lap
The same that it didn't get the kiss, perhaps childish, under water
The same of when we dreamed the world lied down at the beach
The same of when we left without a destination and happy
Of your discomfort with the silence
The same of the exaggerating kisses to each car stop
(So much will!)

The same of so much content that would break the continent

Everything that comes from you
You does me more me
You place me among the ones that they savor the life
Until when I am more pessimistic
I learned new meanings for the verb to challenge
(You like to be challenged)

It is surprised

And I like the color of the night that brought her it until me
And the one that desire is that is always night
(I am of the night, you know)

But when I had you, the sun, the sea and the wind
Until I forgot Dioniso
I wanted Apolo
A pub in the beach, hair parafinado
I always forget final of movies and books
I block the farewells
I only believe in find again

Forever and ever

He had made him the promise in the swimming pool
(The same of the kiss not given)
Modern place for fairy stories
Anything of “in a kingdom far far away”
But the promises still exist
Crazy Gods live of them
They believe in love affair

Publicado originalmente no zine Os Putos e as Donzelas # 19 (Jan/Fev de 2008) do grupo literário Luminários.

OI

Oi,
só queria te dizer que essa noite dormi muito bem.
Seu sorriso, em nosso breve reencontro, foi meu acalanto.
Evidente,
troquei um livro por você,
algo inusitado em mim,
mas a lembrança da sinceridade de seus olhos,
iguais por todos esses anos
(quando nos falamos da última vez você era uma adolescente
hoje uma mulher, segura de si e absolutamente linda!)
Fez cegos os meus, desconcentrou-me.
Seu olhar posto em mim
como se mais nada visse em redor de onde estávamos,
em busca de meu eu passado
desconcertaram-me.
Parte daquele passado está aqui dentro,
perdido e paciente.
Sou pouco daquele que está em tua memória
ainda que, essencialmente, o mesmo.
Creio em Deus.
Creio também em você.
E tento me ver em suas lembranças,
em suas muitas perguntas.
Juntar os pedaços de mim mesmo
que há muito se partiu em muitos.
Minha busca é constante
não consigo me limitar a um só canto
nem a um só conto.
Sou poesia
pouco ficou em mim de teologia.
Nem sei se é melhor o caminho em si
ou a descoberta de um
ou a invenção de outro.
A verdade é que dormi como naquele tempo,
sem ansiedade e sem depressão
com você em meus sonhos
com a oração que fez pra mim.
Saiba apenas que as verdades que eu disse
não são menos verdades
porque hoje sou menos eu daquele que está em você.
Te adoro. Infinitamente.

Publicado originalmente no zine Os Putos e as Donzelas # 10 (Jul/Ago de 2006) do grupo literário Luminários.

O QUE ME FAZ FELIZ?



Oscar Wilde já dizia no século XIX que “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. Ele que viveu plenamente e abundantemente, com seu sarcasmo para com todos os hipócritas, nesse aforismo resume a diferença entre os que vivem felizes de acordo com suas próprias regras (os iluminados e interessantes) e os que apenas seguem o rebanho (os comuns). Por ser meu autor favorito as frases de Wilde estão sempre a me lembrar de que posso viver sempre melhor, que posso responder a mim mesmo a pergunta fundamental para nós humanos: O que me faz feliz? E respondê-la de acordo com minhas próprias vontades e desejos. O negócio da qualidade de vida de que se fala tanto hoje, meu caro, é particular de cada um.

Isso me lembra do fantástico filme Beleza Americana, que nos mostra através da fechadura como é a vida das pessoas quando estão sozinhas e quando com seus familiares. Como pensam e como, por causa da sociedade, agem diferentemente do que pensam, sentem, do que desejam. Que por trás daquela aparência de normalidade e perfeição estão infelizes e arrebentadas, vivendo hipocritamente. Vencedor de cinco Oscars, incluindo melhor filme é uma dessas obras primas que mexem conosco. Aliás, se você assistir a esse filme e continuar o mesmo, sem dúvida é uma pessoa comum, volte para o rebanho que é seu lugar. 

Mas se você está vivendo aquele momento existencial dizendo pra si mesmo como Fernando Pessoa no poemaTabacaria “Fiz de mim o que não soube e o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado, conheceram-me logo por quem não era e não desmenti. E perdi-me. Quando quis tirar a máscara estava pegada à cara”, o filme é pra você. Vai ajudá-lo a sair da mesmice, da vida patética e comum. Deixar de viver o que os outros querem ver em você e dizer com o mesmo Fernando Pessoa, mas através de outro poema. “Eu tenho uma espécie de dever, dever de sonhar, de sonhar sempre, pois sendo mais do que um espectador de mim mesmo, eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.”

O filme tem interpretações magistrais, especialmente de Kevin Spacey. É o primeiro e melhor filme do diretor Sam Mendes. Dê uma espiada pelo buraco da fechadura que Mendes abriu pra nós. Nos vemos lá naquelas pessoas dentro de casa, mas podemos abrir a porta e sair.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

NA ESTRADA DO SER



Quando estava terminando minha faculdade, naquele período de escrever e defender monografia, terror de muitos, meu único desejo era, ao final, sair viajando por aí. Aprender coisas ao vivo, sair da minha cultura bibliográfica. É o que todo recém-formado deveria fazer. Não viajei tanto quanto queria porque estava já alugando sala e fazendo plano de negócios para a minha empresa, mas tive boas experiências fora da academia, provando as coisas mundo a fora.

Um universitário no cinema (e na vida real) que foi ao extremo dessa experiência pós-faculdade foi Christopher Johnson McCandless, mais conhecido como Alex Supertramp, no filme Na Natureza Selvagem (2007). Baseado em fatos reais o filme mostra esse jovem que deixa sua família rica, doa o dinheiro que tem na poupança e abandona até o carro para ir se isolar no Alasca, “sem lenço e sem documento”. No caminho ele passa por diversos estados americanos e conhece várias pessoas interessantes. O filme é magistralmente dirigido por Sean Penn, com atuações e fotografia impecáveis. Assista em Blu-ray se puder, as imagens são soberbas.

E para ampliar a experiência magnífica de ver o filme leia o livro homônimo de Jon Krakauer de onde saiu a história do filme. E ouça o disco com a magnífica trilha sonora composta por Eddie Vedder, do Pearl Jam, ideal para momentos de reflexão.

Nietszche diz que existem cinco tipos de viajantes. Os que querem ser mais vistos do que ver nas viagens; os que realmente veem algo no mundo; os que vivenciam alguma coisa em função do que é visto; os que incorporam e carregam consigo as vivências da viagem e finalmente os de maior força, aqueles que colocam as experiências incorporadas de novo para fora, através de ações e de obras tão logo retornam às suas casas. O viajante do filme provavelmente não pôde ser do tipo que queria, mas você pode escolher o seu.

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SOBREVIVO A MIM MESMO?



Há uns anos atrás, pensando sobre o que aprendi com excelentes professores de filosofia acerca do que é a realidade, acerca do ser e outras coisas mais que tanto provocam alunos de graduação, matutei comigo mesmo se eu era real ou não. Ainda não sei, mas meu insight foi que o Batman ou o Homer Simpson são mais reais que eu. Explico. Quando eu morrer ficarei na memória de amigos próximos e familiares ainda vivos. Quando estes morrerem terei desaparecido pra sempre. Batman existe desde 1938 e me ultrapassará no tempo. Homer é mais novo que eu, mas me sobreviverá. 

A não ser que eu fique famoso como escritor ou como cientista minha existência no tempo será brevíssima. Personagens de ficção são mais perenes. E muitos deles têm subjetividades tão complexas ou mais que muitos dos mortais. Muitos desses caracteres, seja no desenho animado, nas HQS, filmes, livros, games ou séries são criações perfeitas de seres humanos. House é um deles. Sem dúvida um dos personagens mais extraordinários e bem construídos da ficção. Muito devendo dessa caracterização perfeita ao ator Hugh Laurie e sua excelente performance (o cara além de excelente ator é diretor, músico e escritor). A série, da qual eu tinha preconceito (por achar que era algo como Plantão Médico ou Greys Anatomy) e a qual não queria assistir me arrebatou quando finalmente vi o piloto. 

Não são os casos clínicos que brilham na série (ainda que interessantes, porque nunca é lúpus!). São as interações sociais de House (um misantropo brilhante, ranzinza e arrogante), com seus funcionários, superiores (sobretudo a Dra. Cuddy) e pacientes. Se não sou um personagem de ficção que sobreviverá no tempo, pelo menos me identifico muitíssimo com o House, sobretudo na ranzinzice e misantropia. Alguns amigos até me apelidaram de House. Até me transformar num personagem de minhas próprias obras como faz o Shyamalan em seus filmes continuo a me projetar em personagens que gosto muito. Todos fazemos isso. Dr. House é mais que o personagem central da série homônima, mas muito é ele. Vale a pena ver. Desde o piloto até o último episódio da oitava temporada que encerrou este ano a série com perfeição.

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GÊNIOS ENTRE NÓS



Esse faz parte dos filmes que já vi mais de dez vezes. E certamente ainda verei muitas mais até o fim de minha existência. Roteiro genial sobre a história de um gênio. Ganhador do Oscar de roteiro original dos amigos Matt Damon e Ben Affleck, que além de assinarem o roteiro atuam no filme, com performance impecável do primeiro. No elenco também Robin Williams. Brilhante.

É uma experiência fantástica acompanhar o rebelde Will (Matt Damon) em seu sofrimento psíquico e em sua genialidade. Sofrimento causado por traumas de infância por ser órfão e por ter sido vítima de vários lares adotivos problemáticos, causando dificuldades de se relacionar com outras pessoas, à exceção de sua fiel turma de amigos, em especial seu melhor amigo e primo (Ben Affleck). Genialidade sabe-se lá de onde, já que não teve acesso à universidade ou qualquer outro tipo de educação formal – genética talvez, precisamos avançar na neurociência. Faxineiro no prestigioso MIT (Massachusetts Institute of Technology) é descoberto por um dos professores ao resolver um problema matemático dificílimo posto como desafio aos alunos. A partir daí segue a narrativa do conflito do garoto problema que precisa de acompanhamento psicológico (Robin Williams como psicoterapeuta está fabuloso) e a externalização para o mundo de uma mente brilhante capaz de ajudar a humanidade a dar saltos qualitativos. Um gênio genuíno, não dos que se imaginam gênios como diz Fernando Pessoa em seu poema Tabacaria. Só precisava ser descoberto.

Dizem as más línguas que o premiado roteiro foi escrito por Kevin Smith, amigo da dupla e produtor executivo do filme. Bobagem. Certamente tem muito de Smith no filme já que produtor, mas não na história, que é bem diferente de tudo que ele escreveu em seus filmes. Mas certamente Damon e Affleck devem muito à Smith. Este inclusive brinca com isso em O Império do Besteirol Contra-Ataca. A verdade é que seria ótimo se eles voltassem a escrever a quatro mãos. Gênio Indomável é filho único, ainda que um filho perfeito.

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LUTAS CONTEMPORÂNEAS



Clube da Luta começa com a cena sufocante do revólver na boca do protagonista. É a sensação que você tem por todo o filme, que estão com uma arma na sua boca, que esbofetearam a sua cara, que seu cérebro está a mil com novas conexões neuronais. A cena progride e a câmera passa do revolver e vai até o cérebro da personagem ali apresentada. É um indicativo de que mexerão com suas ideias. E mexe. Esqueça as cenas de luta. Ouça os diálogos. Veja como a vida consumista e individualista é vazia. Vive-se sempre na sensação de incompletude – típica do ser humano, claro, mas agravada pela sociedade de consumo contemporânea. 

Esse filme já vi mais de dez vezes e cada uma delas me mostrou o quanto o roteiro é brilhante, baseado que foi no livro homônimo de Chuck Palahniuk um dos autores contemporâneos mais excepcionais que temos. O livro estava esgotado, mas saiu recentemente numa edição caprichada da editora Leya. A direção é de David Fincher (Seven, O Curioso Caso de Benjamim Button e dos mais recentes A Rede Social e Os Homens que não amavam as mulheres).

O filme foi extremamente polêmico quando de seu lançamento em 1999. As pessoas só leram o termo luta no título e o sangue de Brad Pitt e Edward Norton (que estão extraordinários em cena). Não perceberam a metáfora da falta de contato humano, de ideais, de valores, de razões pra viver. Filme pra pensar, pra abrir a mente, pra tirar do torpor alienado de vidas vazias. Assista e veja porque você não vai mais precisar ir praquele seu grupo de autoajuda.

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FOI DEUS QUEM INVENTOU O RISO



Sabe aquela sensação de sair do cinema extasiado? Com a percepção alterada e a mente tentando voltar à realidade costumeira? É o que todo cinéfilo procura. Algumas vezes senti isso. Numa delas, pra ver Dogma, foi como jogar combustível ao fogo (de ideias). Ajudou-me até a abandonar o seminário. E olhe que eu ainda nem sabia quem era Kevin Smith, hoje um dos meus diretores favoritos, sobretudo em O Balconista 1 e 2, Barrados no Shopping e Procura-se Amy, da fase do chamado Askewniverse (Jay e Silent Bob são dois dos personagens mais interessantes criados pela sétima arte) e após essa fase, sem dúvida, Pagando Bem que Mal Tem.

Dogma caiu como uma bomba no colo de carolas e hipócritas de plantão. Mesmo que seja só uma comédia (veja que Deus criou o ornitorrinco!), Kevin Smith foi alvo de muito ódio religioso por sua sátira ao cristianismo (sobretudo católico, já que o ódio dos protestantes americanos teria sido maior – e ele mesmo é católico). Personagens como um apóstolo esquecido por ser negro, uma musa inspiradora que perdeu o talento, anjos expulsos do céu (Matt Damon e Ben Affleck), Alanis Morissete como Deus (ou Deusa?) com Jay e Silent Bob como profetas e vários outros em diálogos brilhantes sobre fé, religião e cultura pop.

E falando de riso e Deus (cristão) e comédia Smith mostra que o cristianismo pode ser divertido e não aquela chatice rotineira de domingo. Lembro de outro filme que trata dessa questão. O Nome da Rosa, baseado no livro homônimo do grande Umberto Eco. Num dos brilhantes diálogos do filme William (magistralmente interpretado por Sean Connery) e o monge beneditino Jorge, o segundo afirma que “Um monge não deve rir! Só os tolos riem à toa! (…) O riso é um evento demoníaco que deforma as linhas do rosto e faz os homens parecerem macacos”. William primeiro contrapõe dizendo que “Aristóteles dedicou o Segundo livro da Poética à comédia como instrumento da verdade”. Mais ao final do filme, William questiona Jorge porque tal obra lhe causa tanto temor e ele responde: “Porque é de Aristóteles” e ainda “O riso mata o temor, e sem temor não pode haver fé”.

Dogma é filme genial que infelizmente não se encontra no mercado brasileiro por conta de problemas de distribuição pelo tema do abordado (país mais católico do mundo, ora!). Paguei uma pequena fortuna pelo DVD que está esgotado e baratinho pelo Blu-ray na Amazon. Mas você pode baixar o torrent (não tem nem na Netflix nem no iTunes). Vale à pena.

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MINHA RELAÇÃO COM FREUD

Costumamos classificar os indivíduos em várias categorias. Na questão de sua importância e legado deixados para o mundo separamos os inteligentes, dos técnicos, dos intelectuais, dos eruditos, dos gênios e, claro, dos comuns. Dos comuns normalmente ninguém gosta, são espelhos e ninguém fala acerca deles(1). Os inteligentes estão aí, espalhados, fala-se até em Inteligência Múltipla (Howard Gardner), e hoje se tem acrescentado inteligência emocional, inteligência social, etc. Todos tem espaço para serem inteligentes. Os técnicos fazem sua parte, constroem casas, computadores, grandes edifícios. Os intelectuais estão em extinção, falam e ninguém os ouve. Ou se calam, não provocam o status quo. Se vendem na mídia, nos blogs(2). Os eruditos são raros. Difícil conhecer algum, mas estão aí, enclausurados nos castelos do conhecimento enciclopédico. E os gênios são os escolhidos, os que nascem para promover saltos qualitativos na humanidade. São os que mudam o curso da história.

E Freud certamente foi um desses. Virou até clichê linguístico. Freud explica. Onipresente no cinema, na literatura, um charuto é apenas um charuto, difamador de mães como disse sarcasticamente o Sr. Burns em um certo episódios de Os Simpsons. O divã virou símbolo. Psicanálise já foi até modismo. O escritor Millor Fernandes adora tirar onda: “A psicanálise chegou a uma conclusão cientifica: gafanhotos não tem grilo” . A psicanálise permeou toda a consciência coletiva, a cultura pop, o imaginário, as mentalidades. Entendemos melhor como funciona nossa consciência. E inconsciência, maior descoberta de Freud. 

E psicanálise é mais que ciência, que psicoterapia, é arte. Freud era um exímio (e prolífico) escritor. Harold Bloom, reconhecido crítico literário, coloca Freud como um dos cem gênios da literatura mundial. Portanto gênio duplamente. E reconhecidamente. Não é o eu-lírico do poema Tabacaria do Fernando Pessoa através de seu heterônimo Álvaro de Campos:
“Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Gênio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu, 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras” 

A história marcou Freud e ele marcou a história. E de vida marcante, daqueles que a gente se lembra e reconhece sempre pela foto ícone, já maduro (seus primeiros anos não são tão conhecidos), de barba e com o inseparável charuto. Médico, mas mais atento à pesquisa científica. Teve aquele insight, aquela ideia original que poucos têm. Gênio absoluto, tanto que influenciou outros gênios como Jung. 

Sua teoria tem sido alvo de debates acirrados, de contestações científicas modernas, mas sobrevive, ou melhor dizendo, vive plenamente, seus conceitos principais tem atravessado o tempo. Morreu já na velhice, o verso do Renato Russo, Os bons morrem jovens não se aplica a ele. 

Convivo com ele desde que fui seminarista e esteve comigo quando o abandonei o seminário. Esteve presente em todas as minhas formações e agora em psicologia. Digo sempre quando converso com amigos acerca de problemas familiares que tenho Complexo de Édipo mal resolvido. Adoraria explicar o que é isso para o meu pai. E já briguei com ele certa vez num poema:

CRAZY DIAMOND (3)

Ver o que ninguém mais vê é possível
disse-te no instante mágico
quando eu mesmo vi e olhei
para insatisfação de meu cético espírito
que não enxerga nos outros
correspondentes de existência
tua imagem rasgada
da fotografia dos demais

Vi em teus sonhos desejos
para a minha pregação agora ouvida
Crazy Diamond te batizei
em meu universo paralelo
refúgio de mim mesmo

Foste para lá na carruagem negra que fiz para ti
e choram minhas criaturas imaginárias
pelo real que representas
em meus devaneios oníricos
e quando ainda respiras por aí
quando me distraio em afazeres mundanos

Já posso brigar com Freud
e jogar fora o Prozac
converti-me a ti
a oração é mais forte 

(3) Leia o texto Crazy Diamond

Texto escrito para a disciplina Teorias e Sistemas Psicológicos II da Profa. Andréa Senna.