PROMESSA

Olhei pra você mais uma vez, finalmente; mas não pude fixar o olhar. Vergonha de ter dado ao tempo momentos que poderiam ter sido nossos. Minha memória amorosa manteve você igual, mesmo com tantos anos que nos separaram dolorosamente. Você continua linda. Assim deitada parece sonhar com a história de amor que nos foi negada. Esperei por esse dia como se fosse o mais significativo de minha existência, onde nem imaturidade nem outros nos impedissem de ousar amar loucamente, de gritar e correr e não mais conter o impulso que me fazia diferente, e extraía o melhor de mim, com sua presença. Desejei, agora adultos, reviver os anos de paixão de adolescentes. E sinto, agora, imóvel perante você, que minha vida finalmente fez sentido, pois te reencontrei. Só te peço perdão por ter chegado tarde e você não mais poder ler no meu olhar o quanto te amo, mesmo que Tempo e Espaço e Destino tenham nos negado a autoria do nosso amor. Morro agora com você, cumprindo nossa antiga promessa de ou os dois vivem ou os dois morrem.

O SONHO DE SER FUNCIONÁRIO PÚBLICO

Ser funcionário público. Eis o sonho de milhares de brasileiros atualmente. E quase invariavelmente, o sonho dos fracassados. Daqueles que não se julgam suficientemente competentes para as empresas privadas, muito mais exigentes e seletivas. Dos que não querem continuar estudando e se superando a cada dia.

Estabilidade. A palavra mais citada por aqueles que querem passar num concurso público e que sustentam centenas de jornais, sites e cursos especializados. É verdade, num país como o Brasil, de renda per capita tão baixa e flutuante, é normal querer ter estabilidade. Mas, no fundo, o que querem é comodidade. Emprego garantido, independentemente da produção ou aprovação do cliente. Nada de estudar mais, de trabalhar mais, afinal, todos sabem, no setor público é fácil não trabalhar.

Não precisa saber inglês, nunca ouviram falar em marketing, não precisa ter conhecimento de mundo, não precisa tratar bem o cliente. Na verdade, muitos nem tem inteligência e controle emocional para trabalhar, sequer para passar numa entrevista em uma empresa privada, inexistente no setor público, basta passar numa prova de múltipla escolha.

Que me perdoem os muitos funcionários públicos competentes e que trabalham muito, sei que existem, conheço alguns. A questão é que muitos dos que querem entrar no funcionalismo público hoje são aqueles que nunca conseguiriam chegar a lugar algum no setor privado. Seu desejo é trabalhar pouco, ganhar muito e se aposentar com todas as regalias possíveis. É a cultura do malandro. Detestamos trabalhar, mas queremos ficar ricos.

Os que sonham em ser funcionários públicos precisam aprender algo com os que estão dando tudo de si para ascenderem no setor privado. Competência, constante aprendizado, maximização de resultados e foco no cliente.

Publicado originalmente no jornal O Povo de 10 de novembro de 2007

OS CANGACEIROS E OS TRAFICANTES

Não há uma explicação única para o fenômeno nordestino do final do séc. XIX e início do séc. XX, conhecido como cangaço. Mandonismo dos coronéis e a servidão nas fazendas, miséria, desamparo e menosprezo da Igreja estão entre as mais citadas. Os estudiosos apontam uma pluralidade de causas. Ao observar essas causas e, naturalmente, suas conseqüências, vemos inúmeras semelhanças com um fenômeno mais próximo de nós, o tráfico de drogas.

O cangaceiro, ao contrário do mito, foi o bandido do sertão. O traficante, longe da celebridade midiática, é o novo bandido urbano. O cangaceiro foi o antigo jagunço, protetor do coronel e mantenedor da ordem. Rompeu com este para se tornar andarilho, mas as alianças continuaram. Muitos coronéis, políticos e religiosos poderosos viraram coiteiros, protetores dos bandos. Vários novos coronéis, políticos e religiosos protegem o traficante. Os dois primeiros com dinheiro, armas e cobertura penal; os últimos com os chamados direitos humanos do criminoso.

Cangaceiros tinham acesso a armas exclusivas das forças armadas. Isso lembra algo hoje? Policiais lhes vendiam armas, que compravam com o dinheiro dos saques e de aliados poderosos. Os de hoje, claro, não precisam roubar, vendem seu “produto” a milhares de pessoas iludidas com seus efeitos. Muitos policiais daquele período, que se alistavam nas volantes, fingiam perseguir os cangaceiros e por vezes praticavam crimes em seu nome. Alguns deles parecem ter sobrevivido até os nossos dias.

No cangaço não se matava gente de “posição”. Com raríssimas exceções é o que se vê hoje em dia.

Aqueles seguiam fora-da-lei, com um código de ética próprio, com punições para desobedientes e dissidentes. Praticavam seqüestros, assassinatos cruéis como degolamentos e desmembramentos. Mas, em contrapartida, alimentavam sua gente e distribuíam sobejo de saques aos pobres. Os de cá, vemos nos jornais, fazem isso todos os dias, mantendo muitos na favela com alimentos e remédios.

As mulheres amavam os cangaceiros e até faziam parte dos bandos, afinal eram livres aventureiros, ricos e perfumados. Os nossos, andam em carros de luxo, aparecem na TV e são celebrados em filmes e livros. Que garota sonhadora, aventureira e ambiciosa não os admiraria?

O povo, mesmo ultrajado, contava suas façanhas por vilas e cidades, tinha medo e admiração por aqueles homens vestidos com roupas de couro. Os de agora, metidos em roupas de marca, são admirados nas favelas e fora delas.

Eles produziram sua estrela mais brilhante: Lampião. Nós a nossa: Fernandinho Beira-Mar.

Há muito que o mito do cangaceiro revolucionário social foi desmentido. Agora é necessário eliminar a idéia de que o traficante está enfrentando o sistema e é o herói que irá subvertê-lo e transformá-lo.

Publicado originalmente no jornal O Povo (1ª vez em 25 de março de 2007 e 2ª vez em 1º de junho de 2007) 

WEEKEND



JUVENTUDE ETERNA

Alcançamos, finalmente, a tão sonhada juventude eterna. Ou quase. Sonho perseguido desde a pedra filosofal da alquimia até o rock and roll, homens e mulheres sempre tentaram se preservar jovens, através das ervas e das artes. Talvez ter um retrato pintado de si mesmo, o qual absorvesse todos os sintomas da velhice, como o de Dorian Gray.

O Gênio da Lâmpada parece querer atender esse desejo. O avanço das ciências médicas e das ciências sociais conseguiu o que alquimistas e astros do rock tanto tentaram. Temos tratamentos sofisticados para os mais diversos males, curas para quase todas as enfermidades, cirurgias plásticas que disfarçam a ação do tempo, cosméticos que parecem milagrosos, melhores informações sobre os alimentos (que nos nutrem e nos matam ao mesmo tempo), freqüentamos academias e temos uma infinidade de remédios, até mesmo o Viagra, nada mais suficiente para se sentir jovem.

E temos conhecimento social acumulado para entendermos melhor a sociedade e o indivíduo e diminuirmos os preconceitos, vivermos em harmonia com as diferenças, aceitar que existem diversas maneiras de se viver. Aos poucos quebramos tabus sociais. Durkheim diria que é mais fácil hoje do que em sua época se sobressair ao estabelecido, não ser tão coagido a seguir o grupo. Ou que ser coagido socialmente hoje é viver como se quer, incentivado por frases do tipo "Seja você mesmo!" ou "Faça o que quiser!". Sintoma da chamada pós-modernidade. O self-service de crenças, valores e comportamentos.

Não é vergonha namorar pessoas bem mais jovens, mesmo para mulheres mais velhas que namoram rapazes. São personagens até de novelas. Nem é vergonha vestir-se como adolescentes, a moda tem seguido essa tendência. Ou freqüentar clubes da terceira idade (ou melhor idade, idoso é uma palavra maldita). Vemos idosos (desculpe-me!) com vidas renovadas no trabalho, nas ruas e nos bancos de universidades.

Cultuamos a juventude, isso é bom, somos humanos, temos medo do fim, queremos viver para sempre. E os jovens acreditam nisso.

Publicado originalmente no jornal O Povo de 02 de agosto de 2008

FRAÇÃO DE SEGUNDO

Para o meu dia fazer sentido
Primeiramente procuro teus olhos
Vivo nesse único segundo
Em mundos superiores
Construído pela imaginação dos iluminados
Seres ousados que mudam as histórias
Reescrevendo-as como desejam

Pegue os pincéis
Ouse
Pinte o que vê
Pinte o que deseja
Agora escreva
É conto?
É poesia?
Como é o mundo criado por você?

Venha até aqui
Segure minhas mãos
Deixe-me te decifrar
Realizar seus desejos
De universos paralelos
Onde as escolhas são sempre perfeitas
E suas cores e texturas
São sempre como queremos

É logo ali adiante
Está preparada para novas verdades?
As suas verdades escondidas?
Você tem o dom
Brilhe
Eis-me aqui
Abra a porta

OS INTELECTUAIS E O PODER

Não é novidade que intelectual odeia intelectual. Prova disso é a absoluta desunião e a eterna guerra de vaidades que travam entre si. E o intelectual de esquerda é uma espécie mais esquizóide ainda. Vindo da classe média, e, não raro, da elite econômica e cultural odeia sua condição e põe sua fé e esperança na classe trabalhadora, que, por sua vez, nunca inicia nada em favor de si mesma. Basta ver as revoluções sociais que tivemos, foram sempre comandadas da classe média para cima.

Odiava-se declaradamente Fernando Henrique Cardoso, presidente intelectual, e sonhava-se e lutava-se por Lula, operário, semi-analfabeto, que se ufana de nunca ter ido à universidade e sempre mostra seu desprezo por livros.

Por que os intelectuais, cujo reduto é a universidade e cujo instrumento preferencial de trabalho é o livro, apóia alguém assim? Veja no que deu. Éramos felizes e não sabíamos. Por que não se empenham na tomada do poder, já que, virtualmente têm respostas e opiniões sobre tudo, e se apegam, como a uma verdade sagrada, à utopia da revolução operária, que, em tese, destruiria sua própria classe? Marx e Engels lutavam contra si próprios.

A máxima do carnavalesco até folcloriza essa ridícula obsessão dos intelectuais, afinal, parafraseando-o, quem gosta de pobre é intelectual, que acredita em revolução popular, pobre gosta mesmo é de carnaval, futebol, novela e de sonhar em um dia ser classe média, não há para o pobre luta de classes.

Sei que o papel do intelectual é a crítica, é agitar, provocar a reflexão, não lhe cabe a ação, mas não é hora de mudar isso? Não é o momento de os que pensam o mundo também agir sobre ele? Inaugurar um novo palco social, e, ao invés de esperar que alguém siga suas idéias, serem os próprios agentes? Marx deveria ter dito: Intelectuais do mundo todo, uni-vos!