SCARCITY

O boneco do Batman está na estante
Você conhece meus detalhes
O preto do uniforme dele
Lembra-me o preto de seu vestido
De quando veio até mim
Insight da musa que fazia amor
E a cor daquela noite
Somou-se à cor do presente não usado

A mesma que se usa para se despedir de alguém

Sua cor, tão clara, não contrastava com a cor do presente
Que se tornou incompleto
Permanece a imagem do vestido preto e de sua cor branca
Da noite em que nos conhecemos

E como continha luz!
(Ou não)
Impossível conter tanto brilho

Eis a lembrança que guardo

A mesma de quando, vulnerável, estive em seu colo
A mesma que não conseguiu o beijo, talvez pueril, debaixo d’água
A mesma de quando sonhamos o mundo deitados na praia
A mesma de quando saíamos sem destino e felizes
Do seu desconforto com o silêncio
A mesma dos beijos exagerados a cada parada de carro
(vontade tanta!)

A mesma de tanto conteúdo que romperia o continente

Tudo que vem de você
Me faz mais eu
Você me coloca entre os que saboreiam a vida
Até quando sou mais pessimista
Aprendi novos significados para o verbo desafiar
(você mesmo adora ser desafiada)

E surpreendida

E eu adoro a cor da noite que a trouxe até mim
E o que desejo é que seja noite sempre
(sou da noite, você sabe)

Mas quando tive você, o sol, o mar e o vento
Até esqueci Dioniso
Desejei Apolo
Um bar na praia, cabelo parafinado

Sempre esqueço finais de filmes e livros
Bloqueio as despedidas
Só acredito em reencontros

Forever and ever

Ele fizera-lhe a promessa na piscina
(a mesma do beijo não dado)
Lugar moderno para contos de fada
Nada de reino muito muito distante
Mas as promessas ainda existem
Deuses loucos vivem delas
Eles acreditam em romances


Scarcity foi publicada no Zine Os Putos e as Donzelas, primeiramente em Inglês. Para ver a versão original:  Scarcity - Versão Original em Inglês

PAIXÕES

Em beijos antropofágicos 
O universo cambiava 
Ela dizia: "Vamos mudá-lo." 
Eu dizia: "Comecemos agora!" 
E planejávamos filosofias e verdades.

O CABELO DE PEDRO


Pedro sempre se olhava no espelho. Seu espelho preferido ficava na varanda de sua casa. Era um espelho grande onde ele cabia inteiro.

Em sua casa moravam também seu irmão gêmeo João e sua mãe Becca. Seu avô, pai de sua mãe, sempre vinha visitá-los. Ele gostava muito de seu avô. Ele contava para Pedro muitas histórias da África, de onde sua família tinha vindo. E de Redenção, interior do Ceará, onde morou por muito tempo. Lá foi a primeira cidade do Brasil a libertar os escravos.

A família dele havia sido escrava em engenho de cana de açúcar em Redenção há muito tempo atrás. O avô de Pedro morou lá, mas adorava o mar, por isso se mudou para Canoa Quebrada.  Dizia que era só ir para a praia em qualquer lugar no Brasil para ficar mais perto da África. Era só atravessar o oceano atlântico.

Na casa de seu avô tinha somente um espelho bem pequeno no banheiro. Pedro achava estranho se olhar ali, pois sua imagem ficava sempre embaçada. Mas em qualquer espelho Pedro sempre se olhava. Dava sempre um jeito de se ver até mesmo no reflexo da água no lago onde tomava banho aos sábados com seu irmão e sua mãe.

Mas não é porque ele se achava bonito ou fosse vaidoso. Pedro não gostava do seu cabelo. Ele queria que fosse liso como dos filhos dos turistas que vinham comprar as garrafas de areia colorida que sua mãe vendia na praia. Seu irmão João sempre ria dele e dizia que era bobagem. Que seu cabelo era bonito como qualquer outro cabelo.

João nasceu dois minutos antes de Pedro. Sempre achou que por ser o irmão mais velho deveria cuidar de Pedro, que sempre chorava quando alguém ria do seu cabelo na escola. João sempre o defendia dos colegas. No caminho de volta pra casa João sempre comprava sorvete de chocolate para ver o irmão feliz.

João era mais habilidoso que Pedro. Sabia fazer direitinho as paisagens com areia colorida. Aprendeu só em ver sua mãe fazendo. Pedro não tinha paciência para fazer artesanato. O que mais gostava de fazer era correr pela praia. Imaginando sempre que seus cabelos fossem lisos e balançassem ao vento como via nos filmes na televisão.

Um dia Pedro teve de ir sozinho para a escola porque João estava doente. Voltou chorando e com a farda suja. Seus colegas o havia derrubado na areia do pátio, todos gritando que seu cabelo era feio e enrolado. Entrou correndo e foi direto para os braços de sua mãe.

Sua mãe começou a contar uma história da África, o que sempre animava Pedro. A história dizia que em algumas religiões africanas a mulher que tem filhos gêmeos é aplaudida nas ruas. Eles dizem que as almas escolhem a família a que querem pertencer. As mães de gêmeos são abençoadas por serem escolhidas por duas almas ao mesmo tempo. 

 – Você sabe que você e seu irmão são gêmeos, meu filho – disse Becca para Pedro.  Eu sou abençoada por ter vocês dois. Vocês são lindos. E seu cabelo é muito bonito. É diferente de muitos dos seus coleguinhas da escola. Não é feio porque é diferente. Becca fez uma trança dreadlock no cabelo de Pedro que ficou muito feliz. Achou que seu cabelo estava bonito.

No outro dia João já estava melhor e foi para a escola com Pedro. Todos acharam o cabelo de Pedro muito bonito. Pedro estava contente. Alguns colegas até fizeram tranças nagô, rastafari e dreadlocks em seus próprios cabelos. Pediram a professora para ensinar a fazer.

Até os colegas que antes ficavam rindo do cabelo de Pedro. Pedro viu tranças em cabelos pretos, vermelhos, lisos, loiros, enrolados e viu que todos os tipos de cabelos são bonitos. Voltou pra casa e contou tudo a sua mãe. Naquele dia até conseguiu aprender a fazer melhor as garrafinhas de areia colorida.

#Agradeço ao meu amigo Anilton Freires, grande ilustrador, pelo desenho de presente que fez para esse conto. 
#Esse conto foi inspirado no Projeto Vizinhos de Útero da Jemima Pompeu. 

WHEN?

when we can see each other?
when you can look in each other's eyes?
when you can turn around stardust?
when we can celebrate the love in the distance?
when will it be possible?

MARTINI

O amigo lhe disse:
– Martini é bebida de puta.

Ele respondeu:
– Sou uma puta safada!