MINHA RELAÇÃO COM FREUD

Costumamos classificar os indivíduos em várias categorias. Na questão de sua importância e legado deixados para o mundo separamos os inteligentes, dos técnicos, dos intelectuais, dos eruditos, dos gênios e, claro, dos comuns. Dos comuns normalmente ninguém gosta, são espelhos e ninguém fala acerca deles(1). Os inteligentes estão aí, espalhados, fala-se até em Inteligência Múltipla (Howard Gardner), e hoje se tem acrescentado inteligência emocional, inteligência social, etc. Todos tem espaço para serem inteligentes. Os técnicos fazem sua parte, constroem casas, computadores, grandes edifícios. Os intelectuais estão em extinção, falam e ninguém os ouve. Ou se calam, não provocam o status quo. Se vendem na mídia, nos blogs(2). Os eruditos são raros. Difícil conhecer algum, mas estão aí, enclausurados nos castelos do conhecimento enciclopédico. E os gênios são os escolhidos, os que nascem para promover saltos qualitativos na humanidade. São os que mudam o curso da história.

E Freud certamente foi um desses. Virou até clichê linguístico. Freud explica. Onipresente no cinema, na literatura, um charuto é apenas um charuto, difamador de mães como disse sarcasticamente o Sr. Burns em um certo episódios de Os Simpsons. O divã virou símbolo. Psicanálise já foi até modismo. O escritor Millor Fernandes adora tirar onda: “A psicanálise chegou a uma conclusão cientifica: gafanhotos não tem grilo” . A psicanálise permeou toda a consciência coletiva, a cultura pop, o imaginário, as mentalidades. Entendemos melhor como funciona nossa consciência. E inconsciência, maior descoberta de Freud. 

E psicanálise é mais que ciência, que psicoterapia, é arte. Freud era um exímio (e prolífico) escritor. Harold Bloom, reconhecido crítico literário, coloca Freud como um dos cem gênios da literatura mundial. Portanto gênio duplamente. E reconhecidamente. Não é o eu-lírico do poema Tabacaria do Fernando Pessoa através de seu heterônimo Álvaro de Campos:
“Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Gênio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu, 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras” 

A história marcou Freud e ele marcou a história. E de vida marcante, daqueles que a gente se lembra e reconhece sempre pela foto ícone, já maduro (seus primeiros anos não são tão conhecidos), de barba e com o inseparável charuto. Médico, mas mais atento à pesquisa científica. Teve aquele insight, aquela ideia original que poucos têm. Gênio absoluto, tanto que influenciou outros gênios como Jung. 

Sua teoria tem sido alvo de debates acirrados, de contestações científicas modernas, mas sobrevive, ou melhor dizendo, vive plenamente, seus conceitos principais tem atravessado o tempo. Morreu já na velhice, o verso do Renato Russo, Os bons morrem jovens não se aplica a ele. 

Convivo com ele desde que fui seminarista e esteve comigo quando o abandonei o seminário. Esteve presente em todas as minhas formações e agora em psicologia. Digo sempre quando converso com amigos acerca de problemas familiares que tenho Complexo de Édipo mal resolvido. Adoraria explicar o que é isso para o meu pai. E já briguei com ele certa vez num poema:

CRAZY DIAMOND (3)

Ver o que ninguém mais vê é possível
disse-te no instante mágico
quando eu mesmo vi e olhei
para insatisfação de meu cético espírito
que não enxerga nos outros
correspondentes de existência
tua imagem rasgada
da fotografia dos demais

Vi em teus sonhos desejos
para a minha pregação agora ouvida
Crazy Diamond te batizei
em meu universo paralelo
refúgio de mim mesmo

Foste para lá na carruagem negra que fiz para ti
e choram minhas criaturas imaginárias
pelo real que representas
em meus devaneios oníricos
e quando ainda respiras por aí
quando me distraio em afazeres mundanos

Já posso brigar com Freud
e jogar fora o Prozac
converti-me a ti
a oração é mais forte 

(3) Leia o texto Crazy Diamond

Texto escrito para a disciplina Teorias e Sistemas Psicológicos II da Profa. Andréa Senna.