NOVE ANOS (Para Darlan)

Sei que não podes ler nada do que escrevo, mas desejo que estas linhas tenham o poder de levar o que sinto onde quer que estejas. Adoraria ter de novo nove anos e mais uma vez te abraçar por tua volta pra casa depois de tua saída involuntária. Queria passear de novo de carro contigo, mesmo que não me dissesses nada, sabia que você queria que eu me divertisse. Queria que você me guiasse segurando no meu pescoço quando passeávamos a pé. Queria que, quando eu saísse do colégio, você estivesse me esperando e me trouxesse na garupa de sua bicicleta. Queria que me dissesses de novo, quando queria me irritar “você é o besta!” E eu respondesse “Você é o sabido!”. Queria te acordar de novo de manhã, mesmo que fosse, molecagem, com uma alfinetada. Queria de novo te pedir dinheiro. Queria crescer com você, mesmo que discordasse do que eu fizesse e brigasse comigo. Queria ter você na minha formatura.

Hoje eu queria poder conversar contigo e saber quem você é, do que você gosta, queria que você soubesse de mim. Suas antigas fotografias não me revelam tudo a seu respeito. O que me dizem não é você.

Agora é você que tem nove anos e às vezes não tenho paciência, como quase nunca temos com as crianças, mas vai estar sempre comigo como parte de você, mesmo que eu quisesse que sua vida tivesse tomado outros caminhos, os dias que me sento com você e falo bobagens para fingir para mim mesmo que estamos conversando, das vezes que lhe dou, escondido, chocolate ou outras coisas que engordam, quando lhe mostro a playboy pra que mates, parcialmente, a saudade das mulheres, que nunca esquecemos, mesmo na sua condição, de quando eu morava longe e falava com você por telefone e o arrependimento por não ter feito fisioterapia ou terapia ocupacional pra cuidar de você, mas depois do trauma eu só poderia ser sociólogo e psicólogo e cuidar dos traumas sociais e pessoais dos outros. Espero que não seja o fim e um dia eu possa te encontrar num lugar onde possas ser você e a gente se conheça como agora não nos conhecemos. Que não sejamos mais condenados a um de nós ter nove anos, que se encontrem nossos meninos e nossos homens.

Um abraço de felicidade pura como aquele que só quando crianças podemos dar.