O MITO DO SUPER PROFESSOR

Chegamos ao início de mais um ano letivo. Nesse instante, milhares de professores estão extremamente ansiosos, se preparando para o retorno às salas de aula, onde, se espera, sejam educadores, conselheiros, bons oradores, incentivadores, exemplos, por aí vai, a lista é enorme.

O foco da pedagogia moderna está no aluno, ou melhor dizendo, no cliente. Sim, já que muito do que se faz hoje nos nossos bons colégios públicos e particulares é agradar o máximo possível aos alunos para mantê-los e para mostrar estatísticas positivas, seja de não reprovação, ainda que não aptos, ou como argumento publicitário, quando passam em faculdades e universidades. Para se conseguir isso é necessário passar toda a responsabilidade para o professor. É ele que precisa fazer o aluno gostar da matéria e de estudar. Se o aluno fracassa a culpa é transferida integralmente para o mestre.

Nossos pedagogos de gabinete de faculdade, que há muito deixaram as salas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio - alguns por lá nunca passaram, se esquecem, às vezes, que lidamos com gente. Pessoas problemáticas, influenciadas pela família, religião, pelo mundo do entretenimento. Formadas pela cultura da mediocridade, num país onde se tem vergonha de ser estudioso, de ser inteligente, de se destacar. Onde não se premia nem se incentiva os melhores. Mas, dizem, se o professor for um bom ator/animador e fizer aulas dinâmicas, mesmo que esqueça o conteúdo e o pensamento abstrato, os alunos adorarão. Evidente que sim, vivemos na sociedade do espetáculo, no dizer do filósofo francês Guy Debord, o entretenimento é supervalorizado. Não se lembram da matéria de biologia, mas das piadas do professor, sim.

Naturalmente, quanto mais talentos tiver o professor melhor para o aluno que estude por prazer, não por ofício, mas ao contrário do que andam dizendo por aí super-homens e super-mulheres não são professores.

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO I


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Janeiro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO II


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Fevereiro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO III


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Março de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO IV


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Abril de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO V


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Maio de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO VI


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Junho de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO VII


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Julho de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO VIII


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Agosto de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO XI


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Setembro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO X


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Outubro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO XI


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Novembro de 2008)

DO PONTO DE VISTA DO ORNITORRINCO XII


Publicado originalmente no fanzine literário Do Ponto de Vista do Ornitorrinco (Dezembro de 2008)

CORRESPONDÊNCIA SOBRE NADA

Ainda criança foi vítima de um acidente de carro que lhe deixou paraplégica. Pai dirigindo bêbado, festa de fim de ano, noite de alegrias. Ele e a mulher mortos. Filha gravemente ferida. Nada de novo, histórias que se repetem. Foi morar com os avós. Classe média alta. Não havia nada que o dinheiro não pudesse lhe comprar. Foi-lhe dado um mundo particular, onde todos os habitantes imaginários andavam de cadeira de rodas.

Não deixaram – e ela mesma não se sentia capaz – de enfrentar o mundo dito real. Nada de escolas, nada de faculdade, nada de carreira profissional, e nada, do melhor que permeia tudo isso, namorados, festas, porres, sexo, amizades falsas e verdadeiras, amantes. Tudo isso lhe parecia cenas de filmes que via e de livros que lia.

Sua maior diversão, na qual se sentia parte do sistema, era fazer cursos por correspondência. Na puberdade adorava ler os quadrinhos de anúncio do Instituto Universal Brasileiro nas revistas Disney que lia. Aquelas mensagens motivacionais em forma de arte seqüencial eram seu livro sagrado. Trazia-lhe um sentido – banal como todos – de viver.

Nunca sonhou seguir nenhuma profissão, mas se capacitou em muitas delas através dos cursos. Os responsáveis pelas correspondências do curso nunca perceberam um nome insistente nos registros de matrícula.

Publicado originalmente no folheto literário Do Ponto de Vista do Hipogrifo em maio de 2008.
Aos que fizeram história no SPD, Turma do War, Círculo do Inferno, Luminários e para os (pós-tudo) que continuam a fazer.

Aconteceu o que ninguém esperava. Naquela tarde e noite de sábado, o banco da praça estava vazio. Aqueles amigos que pareciam aos olhos de todos, esquisitos, que pertenciam a uma realidade diferente, haviam sumido.Ninguém soube explicar o porquê.

Aquele estranho grupo havia se tornado há um só tempo objeto de admiração e folclore da cidade. Um antigo prefeito, um dos membros da seleta confraria, mandara colocar estátuas dos mais assíduos ocupantes do banco, bem debaixo da velha árvore.

Naquela moderna e interiorana ágora mundos foram criados, teorias foram desconstruídas, sonhos foram produzidos, mulheres se inebriaram, desmaiaram de paixão.

Não se sabe o que aconteceu com aqueles baluartes. Uns acreditam que foram simplesmente embora para outra cidade, outros dizem que desistiram e se misturaram aos outros humanos, os que lhes punham mais fé e lhes acreditavam anjos, dizem que voltaram para o lar divino.

Só eu sei a verdade. Eles vieram para mudar vidas e fizeram seu trabalho. Não tinham temor por nada, a não ser por envelhecerem. Fugiram para um lugar espiritual onde isso jamais poderá acontecer...


Psicografado por Lorde Henry. De um espírito que fez parte dos quatro grupos quando em vida.

Publicado originalmente no folheto literário Do Ponto de Vista do Hipogrifo em Abril de 2008.

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Publicado originalmente no fanzine Dobradinha do grupo literário Luminários.

APOLOGIA DO ÓCIO

Entreguemo-nos relaxadamente à preguiça!
Ao prazer de, vazios, absorvermos as cores alienantes da tela do vídeo.
Um sem fim de páginas de tantos volumes para quê, se podemos gozar da sensualidade da improdutividade?
Que se dane o mundo! Deixem-nos estéreis mesmo, em um canto qualquer de um quarto úmido, contentes com o pouco que temos e com o nada que construímos.
Sejamos mudos! Só os loucos gritam, argumentam e reagem.
Que se fabriquem sempre expressões de contentamento para ficarmos eternamente absortos e absorvidos com a usurpação do nosso direito de sermos humanos e humanizados.
Vamos praticar desatinos com os que confeccionam sonhos e se cansam para democratizá-lo; são somente pândegos, não são sérios.
Que mal há em não querer mudar o mundo? It’s a waste of time!
Apaguemos as luzes e deitemo-nos impotentes diante da nudez.

Publicado originalmente no jornal Em Formação em maio de 2003.

PÓS-MODERNIDADE E O PACTO MUNDIAL DE LULA

Desde o Iluminismo, com a queda da teologia do centro das decisões, diversos líderes, intelectuais, políticos e economistas têm pensado em um ethos mundial, algo que norteie as decisões políticas internacionais.Hoje vivemos no período a que se convencionou chamar de pós-modernidade. As verdades absolutas são questionadas, dando lugar a verdades relativas aos contextos históricos.

Ninguém mais precisa seguir fielmente ideologias políticas ou religiosas. Pode-se muito bem fazer um self-service do que mais agrada a seus valores pessoais. Testemunhamos o ecumenismo religioso, a fusão de grandes empresas e a pregação da Terceira-Via (tentativa de unir o que há de melhor da Esquerda e da Direita).Somente nesse contexto atual, o presidente Lula pode abrir mão de algumas posições mais radicais para se abrir ao diálogo. Ele faz parte desse fenômeno e pode se tornar o grande líder desse período, sendo o elo entre as grandes corporações, investidores e políticos e as vozes vindas do povo, da classe média, dos intelectuais.

Com seu evidente dom de liderança, seu carisma e as transformações ideológicas atuais, Lula tem nas mãos a chance de fazer o que ninguém mais pôde. Articular uma nova ordem nacional - o que ele chama de pacto social. Pode iniciar uma coalizão de forças econômicas, políticas e sociais. Unir sagrado e profano.

Publicado originalmente no site http://www.unifor.br/ em 2003.

MICROFÍSICA DA CORRUPÇÃO

Há vários anos jogo War com meus amigos de infância. Ao longo do tempo mudamos todas as regras e fizemos novas cartas. No entanto, quase sempre as partidas terminam em briga. Cada participante defende ou critica determinada regra,dependendo de seu interesse e sempre voltamos a mudá-las.

Temos, no Brasil, um comportamento semelhante. Sempre achamos que as regras não se aplicam a nós e que os outros são desonestos. Atacamos fervorosamente o Governo Federal, os estaduais e municipais. Acreditamos que o país não progride porque os governantes só roubam o dinheiro público.

Porém, não percebemos que a corrupção está instalada em todos os níveis sociais e profissionais. Na sonegação de impostos, na exploração dos funcionários, no contrabando, nos trabalhos escolares prontos, na pirataria etc.Temos uma longa tradição histórica de exploração e corrupção, desde os tempos coloniais e fazemos de tudo para perpetuá-la. Somente quando nos dermos conta que é necessário uma transformação individual e nas micro-relações é que podemos transformar toda a sociedade. E não continuar a criticar o governante corrupto e sonhar estar no lugar dele para também usufruir do dinheiro e do poder, ao invés de denunciar e cobrar, e dar o exemplo de cidadania e de cidadão honesto. Além das reformas da previdência, tributária e política,necessitamos de um reforma pessoal e moral.

Publicado orginalmente no site http://www.unifor.br/ em 2003.

SONS E ESPELHOS

You reached for the secret too soon
Threatened by shadows at night
(Shine On You Crazy Diamond-Pink Floyd)

Era uma pacata cidade do interior. Vidas simples que sublimavam temores pelas estranhas e misteriosas mortes que por lá haviam. Quem por ali passava não podia imaginar as orgias, rituais, profanações e pecados ocultos pela noite. Era melhor não saber de nada. A polícia se mantinha fora. Os casos eram resolvidos da maneira mais simplista. Talvez fossem somente desajustados sociais que queriam chamar atenção pra si. K. sabia que não. A maldição das estranhas mortes era uma realidade. Os caixões fechados nos velórios ocultavam as faces disformes das... ele relutava em chamar de vítimas. Eles quiseram isso, eles clamaram pelo que aconteceu. Adoradores da morte.

Não havia muito a se fazer naquela cidade. Os talentos eram consumidos pelo álcool e por outras drogas. Esquecidos lá, na periferia do mundo real. K. amaldiçoava todos os dias aquele lugar. Queria ser músico, era bom, sabia, mas nascera no sítio errado. Todas as noites tocava seu saxofone no porão que havia construído para esse fim. A população se acostumara, não sem irritação, com aquele som distante e surreal como num fim de sonho. A casa de K. distava da cidade, mas as notas musicais voavam na noite e caíam por sobre os telhados, entravam pelas janelas e já quase imperceptíveis morriam nos ouvidos adormecidos da maior parte da população. Eram as notas de sua maldição sobre a cidade que o impedia do sucesso. E K. continuava tocando, pedindo a qualquer entidade oculta que se manifestasse e acabasse com seu sofrimento.

E ela surgiu. Na madrugada quente da periferia do mundo. K. tinha o dom. E foi escolhido. Hoje, quando celebra o pão e o vinho e ouve as confissões dos culpados, sabe que seu chamado não foi pra isso, mas para o que realizou no passado, na longínqua cidade. Não foi difícil achar seguidores. E no meio dos seis ceifadores, de campos e de vidas, L., sua companheira até o dia em que [esta] também apeteceu.

A música era seu guia. Através dela eles sabiam aonde ir. E toda noite que alguém desejava a morte ao som de uma música profana, eles concediam. Os adultos não comentavam na frente das crianças nem quando a noite se aproximava, dos estranhos suicídios, nos rostos irreconhecíveis, nos símbolos marcados nos corpos. E K. continuava a tocar à noite, a gravar nos inconscientes que sonhavam fornicando com a morte o ritual hipnótico para conhecê-la. E como numa onírica luxúria ouviam as músicas não consagradas e as adoravam e cobiçavam a morte e ansiavam por seu encontro.

Seis ceifadores, sessenta e seis ceifas. K. não dorme mais. Nada lhe adiantou o caminho da fé. A culpa não foi embora. E mesmo depois de duas décadas, ao fechar os olhos ainda vê L. sem a pele da face, pendurada numa corda. Ela ansiou pela morte, ele desesperou-se e seus seguidores o traíram. A Morte o traiu. Não, L., não sua amada. Ela o fez esquecer o seu desprezo e maldição à cidade. Ele romperia o trato que fez na madrugada quente. Depois da missa ele subiu à torre da igreja e ouviu as musicas não consagradas. E desejou a morte e se imaginou fazendo amor com ela. Ela estava lá. E ele pulou ao seu encontro.

Publicado originalmente no jornal O Benemérito em maio de 2004.

O QUE FAZ MESMO UM SOCIÓLOGO?

Outro dia eu estava com meu irmão numa loja de informática e enquanto o gerente fazia o orçamento de um up-grade, começamos a falar de política e economia. O gerente fez uma lúcida explanação de seus pontos-de-vista sobre sociedade, política e economia. Meu irmão, querendo brincar, perguntou se ele era sociólogo, dizendo que eu era. Ele riu e olhando para mim, disse que não era socialista não, mas respeitava quem era. Eu ri comigo mesmo e fiquei pensando no fato de as pessoas em geral desconhecerem a profissão do sociólogo. Isso quando não dizem, ao saber que fazemos ciências sociais: “legal, assistente social trabalha em hospitais, não é?” ou “o que é isso? dá dinheiro?” Outro dia uma colega do curso, brincando, disse que tem até “Dia da Sogra” (28 de Abril), mas “Dia do Sociólogo”*, não. O que faz com que hajam sociólogos famosos e que ganham muito dinheiro e tantos outros que não conseguem nem ter uma profissão organizada, com conselhos e sindicatos?

Hoje em dia o mercado de trabalho valoriza muito os profissionais que tenham senso crítico, capacidade de decisão e uma visão ampla de mundo e dos processos sociais, políticos e econômicos. E é exatamente isso que a maioria dos formados em Ciências Sociais conseguem adquirir durante o curso, mas perdem espaço para administradores, economistas, psicólogos e até para gente ligada às áreas tecnológicas, que segundo alguns teria boa capacidade de resolver problemas. Um dos motivos para a perda deste espaço é o desinteresse do próprio estudante que não quer “servir ao capital” numa empresa “exploradora do trabalhador”, além da desorganização da classe. E boa parte dos que entram pra vida acadêmica se esquecem da pobre mão-de-obra “técnica” de sociólogos que ficaram pra trás. É necessário que sejamos criativos e busquemos alternativas de trabalho, como a socióloga americana que ganha quase cem dólares por hora pra ensinar as pessoas a se envolver socialmente e namorar. É papel de sociólogo? Talvez, não, mas afinal, o que faz um sociólogo?

O perfil único do cientista social precisa ser valorizado e divulgado para que empresas, ONGS, partidos políticos, etc., tenham conhecimento de seu potencial, para que possamos ocupar o espaço já regulamentado por lei. E, além disso, que o próprio estudante de ciências sociais não tenha vergonha de dizer que quer ser sociólogo e que sociólogo pode sim, ganhar dinheiro. Só assim, poderemos ouvir diálogos como:

- O que você quer ser quando crescer?

- Sociólogo!

Publicado originalmente no jornal Socializando de Outubro de 2003.

*O dia do sociólogo vinha sendo comemorado informalmente no dia 29 de maio, mas uma lei aprovada na Câmara Federal no dia 15 de abril de 2009 instituiu o dia 10 de dezembro como a data oficial.