CÉREBRO DIVIDIDO


Who am I? You sure you wanna know?Peter Parker faz essa pergunta retórica para o espectador no primeiro Homem-Aranha da trilogia de Sam Raimi, pra responder explicando quem é ele e o que o torna especial, único. No caso dele poderes que geraram grandes responsabilidades. E no meu, quem sou? E no seu?

Sempre nos pareceu óbvio que cada um de nós é um indivíduo único, especial, provavelmente com uma alma ou espírito independente do corpo que nos torna singulares. Será mesmo? Já sabemos, com os avanços da neurociência e da psicologia que nossa percepção, cognição, linguagem e emoções têm raízes no nosso cérebro. Mas somos só seres fisiológicos? Como se forma nossa consciência? Por programas gravados geneticamente, interdependentes e conflituados que comandam nosso eu/pessoa/self? Ou por interações com o ambiente em que vivemos? O consenso hoje parece ser o meio termo. Somos, como diz o poeta Ferreira Gullar parte permanente, parte que se sabe de repente, influenciadas por nossas bases biológicas e culturais.

Contudo, muitas questões fisiológicas ainda são intrigantes, como o cérebro dividido. Até onde se sabe nosso cérebro é constituído por um hemisfério esquerdo que se distingue pelo pensamento intelectual, racional, verbal e analítico e um hemisfério direito que se destaca na discriminação sensorial e no pensamento emocional, não-verbal, intuitivo. Entretanto, num cérebro normal a interação entre os dois é tão complexa que é difícil dissociar claramente as funções especializadas (E pluribus unum). Através da comissurotomia, que é a desconexão cirúrgica dos dois hemisférios que é feita cortando os feixes de axônios cerebrais do corpo caloso (que une os hemisférios) é que podemos perceber diferenças. Essa cirurgia é feita em pacientes com epilepsia de tratamento medicamentoso ineficaz.

Enfim, humanos comissurotomizados (sim, diversas vezes o procedimento foi feito em gatos pra teste), são normais em quase todos os aspectos, mas existe uma assimetria enorme na sua capacidade de verbalizar respostas a questões colocadas para os dois hemisférios. Desde o século XIX é conhecida a especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem na maioria das pessoas, a chamada área de Broca. A questão está na linguagem. E de que são feitos os pensamentos? Linguagem. E de que somos constituídos? Também de linguagem? A season finale de House, quinta temporada, traz um caso ilustrativo do cérebro dividido. E de nós mesmos. Um homem comissutorizado que passa a ter personalidades distintas e nenhum controle sobre suas ações.

O exame feito pela equipe de House pra verificar as questões de linguagem reproduz o experimento dos cientistas Gazzaniga e LeDoux. Isto é, se uma pessoa comissutorizada vê uma palavra no seu campo visual esquerdo, dirá que não vê nada. Isso ocorre porque o hemisfério esquerdo, que normalmente controla a fala, não viu a palavra, e o hemisfério direito, que viu a palavra é mudo, não verbaliza. Contudo, o direito agirá conforme o que está escrito. Se palavra for "ande", o sujeito andará sem saber por que e não conseguirá dizer por que está a andar. Não somos mais os ingênuos do passado que acreditavam em espíritos do “eu”. Somos nosso cérebro. Somente? Por ora, só posso verbalizar como Peter Parker.Who am I? You sure you wanna know?

Nota: A foto desse post foi tirada por mim nas aulas de anatomia quando era inciante de psicologia. Desde lá as questões acima me intrigam, filosofando com o "cadáver desconhecido" do laboratório, lol. 

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA