LUTAS CONTEMPORÂNEAS



Clube da Luta começa com a cena sufocante do revólver na boca do protagonista. É a sensação que você tem por todo o filme, que estão com uma arma na sua boca, que esbofetearam a sua cara, que seu cérebro está a mil com novas conexões neuronais. A cena progride e a câmera passa do revolver e vai até o cérebro da personagem ali apresentada. É um indicativo de que mexerão com suas ideias. E mexe. Esqueça as cenas de luta. Ouça os diálogos. Veja como a vida consumista e individualista é vazia. Vive-se sempre na sensação de incompletude – típica do ser humano, claro, mas agravada pela sociedade de consumo contemporânea. 

Esse filme já vi mais de dez vezes e cada uma delas me mostrou o quanto o roteiro é brilhante, baseado que foi no livro homônimo de Chuck Palahniuk um dos autores contemporâneos mais excepcionais que temos. O livro estava esgotado, mas saiu recentemente numa edição caprichada da editora Leya. A direção é de David Fincher (Seven, O Curioso Caso de Benjamim Button e dos mais recentes A Rede Social e Os Homens que não amavam as mulheres).

O filme foi extremamente polêmico quando de seu lançamento em 1999. As pessoas só leram o termo luta no título e o sangue de Brad Pitt e Edward Norton (que estão extraordinários em cena). Não perceberam a metáfora da falta de contato humano, de ideais, de valores, de razões pra viver. Filme pra pensar, pra abrir a mente, pra tirar do torpor alienado de vidas vazias. Assista e veja porque você não vai mais precisar ir praquele seu grupo de autoajuda.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

FOI DEUS QUEM INVENTOU O RISO



Sabe aquela sensação de sair do cinema extasiado? Com a percepção alterada e a mente tentando voltar à realidade costumeira? É o que todo cinéfilo procura. Algumas vezes senti isso. Numa delas, pra ver Dogma, foi como jogar combustível ao fogo (de ideias). Ajudou-me até a abandonar o seminário. E olhe que eu ainda nem sabia quem era Kevin Smith, hoje um dos meus diretores favoritos, sobretudo em O Balconista 1 e 2, Barrados no Shopping e Procura-se Amy, da fase do chamado Askewniverse (Jay e Silent Bob são dois dos personagens mais interessantes criados pela sétima arte) e após essa fase, sem dúvida, Pagando Bem que Mal Tem.

Dogma caiu como uma bomba no colo de carolas e hipócritas de plantão. Mesmo que seja só uma comédia (veja que Deus criou o ornitorrinco!), Kevin Smith foi alvo de muito ódio religioso por sua sátira ao cristianismo (sobretudo católico, já que o ódio dos protestantes americanos teria sido maior – e ele mesmo é católico). Personagens como um apóstolo esquecido por ser negro, uma musa inspiradora que perdeu o talento, anjos expulsos do céu (Matt Damon e Ben Affleck), Alanis Morissete como Deus (ou Deusa?) com Jay e Silent Bob como profetas e vários outros em diálogos brilhantes sobre fé, religião e cultura pop.

E falando de riso e Deus (cristão) e comédia Smith mostra que o cristianismo pode ser divertido e não aquela chatice rotineira de domingo. Lembro de outro filme que trata dessa questão. O Nome da Rosa, baseado no livro homônimo do grande Umberto Eco. Num dos brilhantes diálogos do filme William (magistralmente interpretado por Sean Connery) e o monge beneditino Jorge, o segundo afirma que “Um monge não deve rir! Só os tolos riem à toa! (…) O riso é um evento demoníaco que deforma as linhas do rosto e faz os homens parecerem macacos”. William primeiro contrapõe dizendo que “Aristóteles dedicou o Segundo livro da Poética à comédia como instrumento da verdade”. Mais ao final do filme, William questiona Jorge porque tal obra lhe causa tanto temor e ele responde: “Porque é de Aristóteles” e ainda “O riso mata o temor, e sem temor não pode haver fé”.

Dogma é filme genial que infelizmente não se encontra no mercado brasileiro por conta de problemas de distribuição pelo tema do abordado (país mais católico do mundo, ora!). Paguei uma pequena fortuna pelo DVD que está esgotado e baratinho pelo Blu-ray na Amazon. Mas você pode baixar o torrent (não tem nem na Netflix nem no iTunes). Vale à pena.

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