NOVA PLAYBOY, NOVA SOCIEDADE

Em minha pré-adolescência não havia internet como a conhecemos agora. Desde os anos 1960 que ela vem sendo aperfeiçoada, mas somente na década de 90 é que o protocolo World Wide Web (WWW) foi criado, o que tornou acessível seu uso para todos nós. No fim da minha adolescência a gente precisava esperar dar meia noite para pagar apenas um pulso local na internet discada com aquele barulhinho mágico que lembramos com saudosismo (ou ansiedade causada por sua lentidão). Dizem que (pesquisas sérias) a velocidade da internet só tem aumentado cada vez mais por causa da difusão da pornografia e da nudez. Faz sentido.

Nos meus tempos de pré-adolescência ver mulheres nuas só através de revistas compradas em bancas. Homens nus nem se falava, não haviam revistas especializadas em nudez para o público feminino. Na verdade, acho que ainda nem existem, algumas que foram criadas atendem mais ao público gay masculino. Hoje qualquer adolescente tem em seu smartphone via internet acesso ao que bem quiser de material de nudez ou pornográfico. E gratuitamente. Nos meus idos anos tínhamos de comprar as revistas. E por sermos menores de idade a coisa dificultava.

Todos os dias eu ia a banca de revista de minha cidade para comprar HQs. Lia de tudo, tempos bons. Era apaixonado por quadrinhos. Ainda sou, mas agora estou chato e seletivo, chatice vem com a idade. E sempre via as revistas masculinas por lá, mas não podia comprar. A dona da banca jamais venderia. Então dois amigos e eu tivemos uma ideia, vamos comprar uma Playboy, basta pedir a um amigo maior de idade. Fomos até a banca, compramos algumas HQs e escolhemos olhando de longe a Playboy que nos abriria para aquele mundo até então desconhecido. E lá tinha a Playboy Bar. Eu disse, se a Playboy é boa imagina a Playboy Bar. Pedimos ao amigo e ele comprou. Fomos meus dois amigos e eu vê-la, empolgados, a caminho da escola.

A Playboy foi uma revista revolucionária, inclusive para muitos estudiosos ajudou enormemente a mudar a cultura sexual no ocidente, abrindo mentes para uma sexualidade mais natural e saudável. Afinal a Playboy não era só nudez, mas falava de cultura e estilo de vida. Quem nunca disse que comprava a Playboy pelas entrevistas e matérias e ninguém acreditava? (Mesmo que fosse verdade!). Tem um documentário muito bom no canal History sobre a importância da Playboy na cultura sexual ocidental. Vale a pena ver.

Ao abrirmos o plástico que protegia a revista a emoção aumentava a medida que calmamente fomos folhando suas páginas. Porém, com o passar das páginas cadê a nudez? A revista, garotos ingênuos, falava de bebidas! Claro, Playboy Bar! Que decepção. Rasgamos a revista frustrados e jogamos suas páginas pelas ruas da escola (eram tempos politicamente incorretos, ainda fazíamos esse tipo de coisa com o meio ambiente). Fomos pra aula e aquilo sempre foi uma cômica frustração nas minhas memórias acerca da Playboy.

Anos se passaram e muitas delas eu pude ver (sobretudo pelas entrevistas e matérias!). Teve até a edição americana cuja capa era a Marge Simpson. Histórica. E nesses anos tanta coisa mudou. Inclusive nossa maneira de entender a nudez feminina. E também de como acessá-la. As novas tecnologias proporcionaram acesso a esse material como nunca. Nosso acesso mudou e, ainda bem, nossa percepção também. Entendemos que objetificar a mulher não é algo legal e, muito menos, querer restringir-lhes o que fazem de seus corpos. Aprendemos com Foucault sobre biopoder. Ainda que, como diz aquela filósofa linda e inteligente da revista VIP, Carol Teixeira, a mulher exposta nas revistas é que tem o poder sobre o homem. Boa discussão.

Mas o fato é que tanto a chegada das novas tecnologias quanto nossas mudanças culturais, entendendo melhor sobre gênero, mudaram a Playboy. Antes ela influenciou a cultura, agora está sendo influenciada por ela. E a discussão de gênero vem sendo promovida sobretudo pelas ciências humanas. E discussão e luta social que tem mudado vidas. É o que digo para quem pergunta pra que servem as ciências humanas, digo para isso, melhorar a vida das pessoas.

No caso da Playboy americana a decisão foi de não mais publicar nudez. Não dá pra a competir com a internet.  E a primeira capa depois da mudança foi de uma jovem (que parece ainda mais jovem que a idade, imagino algo proposital da revista), que lembra uma foto do Snapchat. Claro, hoje pra quê comprar revista de alguém que você não conhece se pode ver os nudes de seu coleg@ de sala da faculdade? As redes sociais proporcionaram isso.


Aqui no Brasil a revista anunciou no fim do ano passado o seu encerramento. Novos investidores compraram a franquia e fizeram um reposicionamento de mercado. Focando na nossa nova percepção e entendimento sobre mulheres e gênero. As modelos não serão mais pagas, porque não se pode por preço nas mulheres, com isso também não haverá mais disputa de ver quem ganha maior cachê, as mulheres são iguais em seu valor. Como não serão remuneradas elas é que vão escolher como serão fotografadas, se terá nudez completa, parcial ou nenhuma e quais fotos irão compor a revista. O foco estará na mulher toda, não somente em seu corpo. Ganharão financeiramente através de contratos publicitários. 

Isso é só o capitalismo se reinventando para se adequar ao mercado? Talvez, mas mostra também que estamos avançando como sociedade. Para a primeira capa chamaram a Luana Piovani, símbolo brasileiro de mulher madura, linda, inteligente e independente. Uma espécie de arquétipo da nova mulher. Ou de um novo tipo de mulher, existem muitos, o que é ótimo. 
Esse reposicionamento de mercado da Playboy foi um ótimo tema de discussão com meus alunos da faculdade de Administração numa discussão sobre gênero na disciplina de Cultura e Cultura Organizacional.


Baixei na internet (em alta velocidade e não mais há tempos, discada) a revista para ver as mudanças, fiquei curioso, mas normalmente na internet só tem as fotos. Queria ver toda (além de não só piratear), e fui até uma banca comprar a edição, como fazia em anos passados. Foi simbólico pra mim. Relembrei da Playboy Bar. Acho que a revista precisa melhorar ainda na apresentação da mulher de forma mais completa, mas é um avanço. Estamos progredindo.