MASTER SYSTEM

Hoje me despedi da infância. Quem me conhece até a idade pensará como, se ele tem quase trinta? À tarde comprei um Master System. Vi o anúncio ontem, no folder do Extra encartado no Diário do Nordeste, edição de domingo. Esqueci das notícias, do editorial, do horóscopo. Voltei à infância naquela foto do encarte chamando para o dia das crianças dali a duas semanas. O anúncio discreto brilhava para mim, talvez com alguma luz que estivesse vindo dos meus olhos, energia de idos anos. Fiquei excitado como uma criança quando quer algo, que não consegue nem dormir com a ansiedade da espera. Demorei ir para a cama. Também tinha anúncio do Mega Drive, da mesma geração e, claro, dos Playstation II e III, X Box e Wii. Mas o sabor há algum tempo perdido num trauma de infância estava no Master System.

Comecei a gostar de videogames um pouco mais para trás, no seu lançamento aqui no Brasil nos anos 1980. Atari e Odissey. Preferia o primeiro. Quase todos os meus amigos tinham um ou outro. Maioria Atari, creio. E eu jogava na casa deles e do meu primo que morava com meus irmãos mais velhos. Algumas horas minguadas, afinal eles tinham ciúme da novidade. E eu tanto queria um só meu, a família podia, mas era uma época ingênua quanto à tecnologia, faz pouco tempo, é verdade, mas era. Achava-se que o uso no console estragaria o aparelho de TV. Nessa época nem tinha controle, dizem que por causa do Roberto Marinho. Tinha-se de assistir a Globo. Preguiça levantar e trocar o canal. Um dia um amigo da escola até veio à minha casa com a caixa do seu Odissey debaixo do braço para jogarmos. Minha mãe não deixou, ia estragar a TV. Desculpei-me com meu amigo e fui para um lugar da casa chorar. Ela não sabe até hoje. Eu estava perdendo aquela novidade. Quem sabe hoje fosse um profissional da área. Seria o momento e a idade oportuna. Designer de Jogos é um profissional procurado e bem remunerado. Tem faculdade disso. Ganharia mais escrevendo pra jogos que pra jornais e revistas. Bem mais. É a indústria de entretenimento número um do mundo, ganha até de Hollywood. Fiquei sem videogame, frustrado, traumatizado e com as ciências humanas.

Cheguei perto de ter meu próprio console algumas vezes. O filho de uma família amiga da minha, mais velho que eu, me deu um Atari que fora dele. Quebrado. Nunca meus pais mandaram consertar. Esteve por muito tempo na minha caixa de brinquedos. Até fingi pra amigos que era meu desde novo, mas havia quebrado. A sogra do meu irmão sempre ia ao Paraguai comprar bugigangas para vender por aqui. Os importados e lojas de 1,99 não eram comuns. Minha mãe deu dinheiro pra que ela trouxesse um Atari pra mim. Esperei ansioso as semanas que passaram. Quando ela chegou e fui receber meu tão sonhado Atari, ela não havia trazido. Disse que não achou. Desculpa, claro. Fiquei com um carro a controle remoto. Hoje penso será que foi proposital, minha mãe não deu o dinheiro e me fez escolher um maldito carro? Às vezes acredito na teoria da conspiração.

Cresci um pouco. Chegou a nova geração de consoles. Nintendo, Mega Drive, Master System. E foi criado um novo negócio, a Locadora de Videogame. Brasileiro sempre acha um jeito de ganhar dinheiro. Eram tempos economicamente difíceis. Passei muitas horas em algumas delas, pude jogar sem ter de necessitar da caridade dos amigos. Contudo, o ambiente dessas locadoras não me agradava muito. Tinha os chatos que ficavam querendo ser os melhores e davam pitaco no jogo dos outros. A evolução continuou. Veio o Super Nintendo, Nintendo 64, joguei nos dois em locadoras. Nunca comprei nenhum. O trauma permanecia mesmo na adolescência. Acentuado pelo fato de não ser por não ter dinheiro, mas por causa de uma mentalidade familiar à qual nunca pertenci em nada. Sempre fui o deslocado, depressivo, nerd, caçula. Mais tarde veio o Playstation. Nessa época já tinha meu PC, jogava nele. Até mesmo jogos dos consoles antigos emulados. Meus sobrinhos já tinham o Playstation. E eu havia me afastado das locadoras, nunca me agradaram. E assuntos outros junto com a faculdade me levaram pra mais longe dos videogames. Mas jogava no computador até a madrugada, já morava sozinho, sobretudo Tomb Raider.

A distância aumentou quando chegou o Playstation 2 e o Xbox. Os jogos deram saltos qualitativos enormes, na narrativa e na imagem e na jogabilidade e interação. Fiquei de fora dessa revolução. Nem os jogos do celular me interessavam. Nas rodas de amigos nerds sempre falávamos de filmes, HQs, música, mas quando chegava o assunto dos títulos que estavam jogando eu me calava em meu trauma, em minha distância dos jogos.

Agora tem o Nintendo Wii e o Playstation 3. E eu não sei se ainda sei jogar. Não evolui com os consoles, parei alguns capítulos atrás na construção de sua história. Mas como adulto, quase independente, tendo caminhado através de uma mentalidade própria, diferente dos pais que acreditavam até nos problemas causados pelos videogames às TVs, tenho pesquisado sobre o Playstation 3. Vou comprá-lo. Junto, claro, com uma TV de LCD. O console necessita, deu um salto grande dessa vez. Usa Blue-ray e não mais cartucho, CD ou DVD. Não vou curar minha frustração com filhos, não pretendo tê-los. Meus irmãos que nunca foram nerds compraram videogames para os filhos. Eu não gostava muito de deixar meus sobrinhos jogarem no meu computador quando estavam em minha casa. Essa semi-dependência dos pais ainda que já seja um profissional formado, quem sabe, ainda tem a ver com esse fato marcante de minha infância. Por isso hoje comprei um Master System. Queria me curar desse trauma. Não poderia ter passado direto para o PS3. E não achei um Atari. As empresas têm colocado esses antigos consoles no mercado, para pegar o filão dos saudosistas. Não sou um deles. Sou alguém com um ponto mal resolvido de sua infância. Precisava comprá-lo. Espécie de cura. Poderia ter comprado um joystick e baixar na internet todas as roms de consoles antigos. Mas eu precisava deitar na cama, jogar como teria jogado na infância.

Assim que cheguei a minha casa o liguei na TV do meu quarto. Não ia ligá-lo na TV da sala, claro. Minha mãe ficou na porta olhando, perguntou depois de alguns minutos o que era. Rispidamente disse que era um videogame. Reação inconsciente. Ela saiu imediatamente. Fucei e joguei alguns minutos. Liguei pra namorada e contei da novidade e o porquê daquilo. Passarei algumas semanas jogando, mas já prometi dá-lo para os irmãos pequenos dela. Nem sei se vão gostar, pois já nasceram com o Playstation.

Nesse domingo do anúncio do jornal estava um pouco melancólico, depressivo melhor dizendo. Decisões adultas a tomar, trabalho, independência, mudanças. Talvez por isso veio o assunto, a vontade de comprar um objeto simbólico, meu rito de passagem tardio.
Vou jogar um pouco agora. O Inglês aprendido por influência da cultura pop americana, agora me ajuda a entender e interagir mais com as narrativas. Talvez falte o entusiasmo pueril. Creio que estou curado. Cicatrizarei em alguns dias de jogo. Estou pronto para a idade adulta. Para a independência. Para os problemas próprios dessa fase. Para as fases do PS3.

P.S.: Esse foi o texto mais caro que escrevi. Vou pagá-lo em 10x sem juros no cartão do Extra. E nem é um dos melhores que já escrevi. Fazer o quê.

Jogos Favoritos: River Raid, Enduro, Free Way, Pac Man, Super Mario Bros., Sonic, Alex Kid, Mônica no Castelo do Dragão, Tomb Raider, Heart of The Darkness. Testarei a partir de hoje os do Playstation II e III, Wii e XBox.

P.S.: Já comprei e testei por dois meses o PS2. Joguei GTA, sobretudo o San Andreas, Simpsons The Game, Tomb Raider Anniversary, Midnight Club. Vendi para um primo meu.