UMA RESPOSTA POSSÍVEL (E TRANSITÓRIA)

Toda vez que você está na praia (ou em qualquer outro lugar), vendo aquele #clichê maravilhoso pôr-do-sol, o que você está vendo na verdade é o passado, já que a luz do sol chega com oito minutos de atraso a Terra. Seguindo o raciocínio a partir da astrofísica, vemos o céu azul por causa da atmosfera terrestre, uma vez passada vemos o céu negro, como visto da Enterprise. Isto é, nossa percepção da “realidade” é influenciada até por questões como essas. Fizemos duas perguntas em textos anteriores. Quem somos nós? (Uma simples primeira pergunta complexa). E o que é real (Uma simples segunda pergunta complexa). Agora conversaremos sobre uma resposta possível (e transitória).

A Teoria do Caos (ou da complexidade), diz que o bater de asas de uma borboleta no Brasil provoca um furacão no Texas, ou seja, tudo está interconectado numa grande rede. Além de sermos seres bio-psico-sociais-existenciais-espirituais no modelo integral-sistêmico de homem (diferente do modelo biomédico que só vê a fisiologia), somos seres relacionados a tudo e a todos. Tudo que fazemos e pensamos afeta a nós mesmos, a quem conosco se relaciona e seus relacionados (essa ideia gerou as redes sociais virtuais) e ao meio ambiente. Nossas decisões – talvez não somos nós mesmos que decidimos, como discutimos nos outros textos – afetam o futuro. Pra um melhor entendimento da complexidade é só assistir Efeito Borboleta. Somente o primeiro porque os outros dois são terríveis.

Tudo bem, temos de pensar, o futuro realmente existe pra que nossas decisões presentes o afetem? E o passado? Tem gente que vê no passado essa resposta que buscamos. A Psicanálise e a Reencarnação, por exemplo. Tem gente que vê no futuro, como os religiosos que acreditam que depois da morte colheremos os frutos de nossas decisões aqui e agora. Já para a Filosofia Budista e para a Gestal-Terapia o que importa é o presente.

E é aí que me situo. Que vejo uma resposta. O passado e o futuro não existem. O passado nossa memória, já tem mostrado a neurociência, modifica e reorganiza. E o futuro só podemos imaginar. Isto é, o passado só pode nos afetar se o significarmos no presente de forma a nos fazer mal. E viver no futuro só causa ansiedade. Só o aqui e o agora importa, portanto. Como disse Jesus Cristo, “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus 6:34). Só o caminho importa, não a chegada. E nos privamos tanto de viver o momento, de aproveitar o dia (Carpe Diem, já dizia o filósofo Horácio e repercutida pelo professor entusiasta de Sociedade dos Poetas Mortos), por conta de acharmos que no futuro usufruiremos de algo. Precisamos dizer mais sim e menos não. Não tanto como Jim Carrey no filme Sim Senhor, mas ele seguiu pelo caminho certo.

Quem somos e o que é real dependem de nossa resposta à existência, porque na verdade não existe Verdade. Mas verdades. Ou fragmentos da verdade. Viver no presente anula os males do passado e a ansiedade pelo futuro. Essa é uma resposta possível. Mas também transitória, parte da verdade, subjetiva, temporal. Porém uma resposta possível e válida.

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA

UMA SIMPLES SEGUNDA PERGUNTA COMPLEXA

Convido-o a fazer uma escolha nesse momento. Entre a pílula azul e a vermelha, como no filme Matrix. Se azul, você sai desse texto e vai ler/ouvir/ver outras coisas do blog. Se vermelha permanece um pouquinho aqui para pensar sobre o que é real. Semana passada fizemos a primeira pergunta complexa. Quem somos nós? (Leia o post abaixo). Agora é hora de perguntar o que é a realidade. A minha nesse exato minuto em que escrevo é de alguém com a cabeça a mil com as minhas múltiplas atividades acadêmicas e de trabalho, que, apesar de convergirem a certos momentos partem e chegam de/a caminhos variados. É noite e estou cansado. Mas o dia foi ativo e cheio de bons momentos. O seu pode ter sido negativo/positivo dependendo dos acontecimentos e da sua percepção.

Aliás, é a percepção que nos faz interagir com a chamada realidade. Cheiramos, tocamos, vemos, ouvimos. E o cérebro interpreta. Isso considerando a neurofisiologia normal. Agora considere quem tem transtornos como a sinestesia, onde alguém pode ouvir cores ou cheirar números. Ou coisas mais simples, considere um míope sem óculos. A realidade para estes indivíduos (eu inclusive)  é diferente. Assista ao documentário Janela da Alma. E, mais ainda, nossa percepção muda quanto ao lugar que estamos, a época que estamos e os amigos e família que temos. Não à toa antropólogos alertaram para o etnocentrismo, quando julgamos outras etnias a partir da nossa própria. Como o eurocentrismo, no período das grandes navegações. Exemplo disso, navegadores cristãos portugueses identificaram nas práticas indígenas religiosas elementos da demonologia cristã. Coisas que os nativos não faziam a menor ideia do que fosse.

Por essas e outras se fala em estranhamento (para o bem ou para o mal). Vemos o outro a partir de nossas lentes. E falando em lentes, mesmo a fotografia (ou o vídeo, que nada mais é do que fotografias em sequência), não capta o real. O enquadramento, a iluminação, o tipo de lente mudam a realidade. Congela um sorriso fora do contexto, um abraço teatral.  “Não vemos as coisas como são, mas como somos”, disse com perfeição a escritora Anaïs Nin (que tem excelentes livros eróticos, inclusive que viraram filmes, como Delta de Vênus)Por isso a Fenomenologia prega o ir às coisas mesmas e despir-se dos a prioris como queria Husserl.  Enxergar o fenômeno em si mesmo e não por nós mesmos. Os positivistas achavam possível a objetividade do conhecimento. Pope já subverte com a falseabilidade. Conhecimento científico (e filosófico), mas tem as lentes do senso-comum (empírico), da religião (teológico). Ideologias e representações sociais tentam dar conta da realidade e são exteriores a nós e coercitivas. É só lembrar de Durkheim e Moscovici. 

E as ciências sociais/humanas e naturais ainda enxergam de modos distintos (e são temporais). As naturais estudam também coisas que não vemos com nossa percepção comum, como a microbiologia e a física de partículas. Os microrganismos e os átomos (e suas divisões) fazem parte da realidade. O campo eletromagnético também. Assim como, para muitos, o espiritual. Ou, para outros, delírios. E os sonhos? E o cérebro que não distingue claramente imaginação e realidade perceptiva? O esquizofrênico e o médium veem algo que outros não veem. O drogadito tem uma experiência diferente da realidade. Ou quem faz uso de medicamentos. Psicofármacos e drogas tem na farmacodinâmica e na farmacocinética relação com o que experenciamos do mundo. E o mundo pode ser surreal como no quadro do Dali, acima, que se chama Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar  (título real!).

E a realidade, para os técnicos, ainda precisa ser pensada na média, não nos casos particulares ou anômicos. Mais estatística e menos casos. Dados, metadados explicam a realidade. A física quântica tenta explicar várias realidades paralelas. Mas no experimento da fenda dupla se percebeu que ao ato de observar modifica a realidade. Não é só nas ciências sociais que sujeito-objeto se confunde. O que é real? Qual a sua percepção da realidade?  O tempo está bonito para chover, na percepção dos lugares onde tem muita escassez de chuva e o tempo está ruim para lugares onde chove muito. Esse texto foi perfeito para alguns e detestável para outros. Palavras se tornam realidade, dizem.


Continuaremos...

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UMA SIMPLES PRIMEIRA PERGUNTA COMPLEXA

Cada um de vocês vai ler e absorver esse texto de uma maneira diferente. Os teóricos da Escola de Frankfurt iriam dizer que eu o (a) influenciarei e você absorverá passivamente essas linhas. Já Martin-Barbero em Dos Meios às Mediações diria que depende de como você vai absorver, a depender de seu meio sócio-cultural-geográfico.

E a neurociência vai dizer, juntamente com a psicologia da percepção, que as interpretações feitas por nosso cérebro a partir do que percebemos com a visão (no caso da leitura, no córtex occipitotemporal esquerdo), irá alterar também as suas aquisições do texto. E o que vimos, ouvimos, tocamos, cheiramos determinam também quem somos e como você é hoje, no instante que lê essas linhas. E o que aqui escrevo faz parte da minha história de vida. O que você lê também depende disso. E sua compreensão do que aqui está sendo dito depende de outros conhecimentos pré-adquiridos dizia Piaget. Até ter absorvido os conteúdos da Garagem Dinâmica altera o produto você/eu. 

Fazemos parte de uma consciência coletiva dizia Durkheim, sociólogo. Ou de um inconsciente coletivo, dizia Jung, psicólogo. Passamos por processos de socialização e de aculturação, dizem sociólogos e antropólogos. A cultura nos define em grande medida, nosso ambiente, onde nascemos e nos desenvolvemos, até nossa língua é determinante. Muito do que fazemos parece advir disto, muito parece ser comportamento aprendido, como diriam os behavioristas. Outro tanto parece automatismo guiado pelo inconsciente, dizem os teóricos do novo inconsciente (não é o Freud!). Maior parte do tempo você não se dá conta nem do que faz nem do como faz.

Algumas vezes parece que escolhemos e decidimos sobre a vida, como pregavam os filósofos existencialistas, Sartre e Camus, por exemplo, mas muitas vezes parecemos pela vida ser controlados, afinal muito da nossa existência é determinada, seja por acaso, seja por destino. Pra Calvino tudo estava predestinado. Para alguns os signos do Zodíaco influenciam quem somos, para outros há forças divinas que nos guiam e nos dão propósito. Para Leonard Mlodnow nosso andar é de bêbados. Armínio confrontou Calvino e disse que temos livre-arbítrio.

Nosso comportamento e mais profundamente quem somos é determinado também biológica e geneticamente. Nem sabemos o que é genético e o que é ambiente. Nosso cérebro é complexo, nossa cultura idem. Até em nível genético-molecular nosso comportamento é determinado. Parece que somos um quadro abstrato, não inteligível ao leigo, como a imagem acima, do quadro The Moon Woman, de Pollock. Somos algo como Truman, no filme O Show de Truman. Parece que sabemos bastante a respeito de nós, mas uma vez confrontados com algumas questões não conseguimos responder de imediato a uma simples primeira pergunta complexa. Quem somos nós?


Continuaremos com outras perguntas. Aguarde...

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