UMA SIMPLES SEGUNDA PERGUNTA COMPLEXA

Convido-o a fazer uma escolha nesse momento. Entre a pílula azul e a vermelha, como no filme Matrix. Se azul, você sai desse texto e vai ler/ouvir/ver outras coisas do blog. Se vermelha permanece um pouquinho aqui para pensar sobre o que é real. Semana passada fizemos a primeira pergunta complexa. Quem somos nós? (Leia o post abaixo). Agora é hora de perguntar o que é a realidade. A minha nesse exato minuto em que escrevo é de alguém com a cabeça a mil com as minhas múltiplas atividades acadêmicas e de trabalho, que, apesar de convergirem a certos momentos partem e chegam de/a caminhos variados. É noite e estou cansado. Mas o dia foi ativo e cheio de bons momentos. O seu pode ter sido negativo/positivo dependendo dos acontecimentos e da sua percepção.

Aliás, é a percepção que nos faz interagir com a chamada realidade. Cheiramos, tocamos, vemos, ouvimos. E o cérebro interpreta. Isso considerando a neurofisiologia normal. Agora considere quem tem transtornos como a sinestesia, onde alguém pode ouvir cores ou cheirar números. Ou coisas mais simples, considere um míope sem óculos. A realidade para estes indivíduos (eu inclusive)  é diferente. Assista ao documentário Janela da Alma. E, mais ainda, nossa percepção muda quanto ao lugar que estamos, a época que estamos e os amigos e família que temos. Não à toa antropólogos alertaram para o etnocentrismo, quando julgamos outras etnias a partir da nossa própria. Como o eurocentrismo, no período das grandes navegações. Exemplo disso, navegadores cristãos portugueses identificaram nas práticas indígenas religiosas elementos da demonologia cristã. Coisas que os nativos não faziam a menor ideia do que fosse.

Por essas e outras se fala em estranhamento (para o bem ou para o mal). Vemos o outro a partir de nossas lentes. E falando em lentes, mesmo a fotografia (ou o vídeo, que nada mais é do que fotografias em sequência), não capta o real. O enquadramento, a iluminação, o tipo de lente mudam a realidade. Congela um sorriso fora do contexto, um abraço teatral.  “Não vemos as coisas como são, mas como somos”, disse com perfeição a escritora Anaïs Nin (que tem excelentes livros eróticos, inclusive que viraram filmes, como Delta de Vênus)Por isso a Fenomenologia prega o ir às coisas mesmas e despir-se dos a prioris como queria Husserl.  Enxergar o fenômeno em si mesmo e não por nós mesmos. Os positivistas achavam possível a objetividade do conhecimento. Pope já subverte com a falseabilidade. Conhecimento científico (e filosófico), mas tem as lentes do senso-comum (empírico), da religião (teológico). Ideologias e representações sociais tentam dar conta da realidade e são exteriores a nós e coercitivas. É só lembrar de Durkheim e Moscovici. 

E as ciências sociais/humanas e naturais ainda enxergam de modos distintos (e são temporais). As naturais estudam também coisas que não vemos com nossa percepção comum, como a microbiologia e a física de partículas. Os microrganismos e os átomos (e suas divisões) fazem parte da realidade. O campo eletromagnético também. Assim como, para muitos, o espiritual. Ou, para outros, delírios. E os sonhos? E o cérebro que não distingue claramente imaginação e realidade perceptiva? O esquizofrênico e o médium veem algo que outros não veem. O drogadito tem uma experiência diferente da realidade. Ou quem faz uso de medicamentos. Psicofármacos e drogas tem na farmacodinâmica e na farmacocinética relação com o que experenciamos do mundo. E o mundo pode ser surreal como no quadro do Dali, acima, que se chama Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar  (título real!).

E a realidade, para os técnicos, ainda precisa ser pensada na média, não nos casos particulares ou anômicos. Mais estatística e menos casos. Dados, metadados explicam a realidade. A física quântica tenta explicar várias realidades paralelas. Mas no experimento da fenda dupla se percebeu que ao ato de observar modifica a realidade. Não é só nas ciências sociais que sujeito-objeto se confunde. O que é real? Qual a sua percepção da realidade?  O tempo está bonito para chover, na percepção dos lugares onde tem muita escassez de chuva e o tempo está ruim para lugares onde chove muito. Esse texto foi perfeito para alguns e detestável para outros. Palavras se tornam realidade, dizem.


Continuaremos...

PUBLICADO INICIALMENTE NO BLOG GARAGEM DINÂMICA