UM (A) ANTROPÓLOGO (A) EM MARTE


A primeira vez que tive alguma leitura sobre TEA foi com o livro do neurologista Oliver Sacks Um Antropólogo em Marte, em que, no capítulo com o mesmo título, narra seu encontro com Temple Grandin.

Temple é citação obrigatória em palestras e textos sobre TEA, pelo menos dos cálculos de minha própria estatística subjetiva. Autista notável, tem PhD em Zootecnia e é responsável por muitos dos protocolos de tratamento humanizado no manejo e abate de gado.

Comprei o livro por acaso, daqueles que compramos simplesmente por causa do título, na época estava na faculdade de Ciências Sociais e embora soubesse que Oliver Sacks era neurologista, achei que houvesse alguma referência à Antropologia como ciência. Não havia. E o livro foi esquecido na estante.

Já na faculdade de Psicologia, onde somente uma única professora falou sobre TEA, numa única aula, e de forma bem superficial e caricata, voltei a me interessar pelo assunto. Sobretudo porque, paralelamente estava fazendo meu primeiro mestrado, cujo foco era Políticas Públicas e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade). E o autismo, quando se fala em TDAH, naturalmente vem à tona. Tanto por questões de diagnóstico diferencial, quanto de comorbidade.

Voltei a consultar o livro esquecido, mas não tão empoeirado, dado as diversas mudanças de lugar de minha biblioteca nos últimos anos. Porém fiquei no capítulo “Prodígios”, em que o autor fala de savantismo, que para muitos é um tipo de TEA – Inclusive para Sacks, aqueles com capacidades intelectuais bem acima do normal. Como entre meus interesses de pesquisa a inteligência é um dos principais, o capítulo se tornava mais interessante.

Porém, há alguns dias, por causa das minhas novas pesquisas acadêmicas, li o capítulo “Um antropólogo em Marte”, que, como disse, dá nome ao livro, que reúne histórias de casos neurológicos incomuns, característica dos livros de Sacks, que, é bom ressaltar, tem uma escrita deliciosa. Vale a pena ler seus livros, até para refletirmos sobre nós mesmos, nossas identidades e subjetividades a partir de casos que destoam do esperado. Seu mais famoso é Tempo de Despertar que deu origem ao filme de mesmo nome, com com Robert De Niro e Robin Williams. Mais recentemente também publicou, um pouco antes de sua morte em 2015, sua autobiografia chamada Sempre em Movimento: Uma Vida. No Brasil todos os seus livros são publicados pela editora Cia. das Letras.

Temple diz para Sacks que a maior parte do tempo se sente como uma “antropóloga em marte”, dada a dificuldade de entender as emoções complexas e jogos emocionais em que as pessoas se envolvem. Daí o título tão curioso. Embora na tradução o mais correto fosse uma antropóloga em marte, contudo na nossa linguagem e cultura muitas vezes machista o título poderia não ser “vendável”, mas pelo menos não leríamos uma mulher se chamando de antropólogo no texto. Como anthropologist é neutro em inglês como neurologista ou psiquiatra em português os editores poderiam ter feito uma adaptação mais adequada.

No entanto, o capítulo é uma ótima aproximação inicial sobre TEA, sobretudo por ter informações científicas, mas contadas numa narrativa agradável, com uma personagem real e interessante em muitos aspectos, inclusive em sua especificidade autista.

Publicado Originalmente em: Tons de Azul