A REDE


Ele era um jovem e tradicional vaqueiro do interior do Ceará. Gostava de andar a cavalo para observar e se orgulhar do seu pequeno rebanho, que herdara do pai, que também lhe ensinara toda a arte de cuidar de gado. Dava-lhe prazer tratar o gado como pessoas, e a vacaria, e toda a pequena fazenda, como uma empresa, da qual ele entendia que administrava com esmero. Aquele era seu mundo, ali nasceu, aprendeu com o pai a ser vaqueiro, tinha o sotaque dali e casara-se com uma das primas, que nem era tão atraente para ele, mas era da família e era aquela a tradição que aprendera. Nunca havia viajado e só conhecia o mundo pelo segundo grau mal feito e pela pequena TV preto e branco, onde via o noticiário, comparando sempre as confusões do mundo com o comportamento de suas vacas, para ele sempre felizes e sem preocupações.

Certa manhã, quando caminhava pela pastagem observando o gado e as serras em redor, o que fazia sempre quando o sol começava a dar os primeiros bons dias, notou que seu rebanho estava irrequieto, parecia que algo havia-lhe assustado. Procurou em redor mas não viu nada que pudesse causar medo, nenhum animal estranho à fazenda. Sem entender o que se passava com as vacas, aproximava-se delas, tocava-lhes com carinho, mas muitas pareciam assustadas e outras até mesmo deprimidas. Não entendendo mesmo o que havia acontecido, resolveu esquecer, pois já era hora dos peões da fazenda levarem as vacas leiteiras para a ordenha.

O tempo passou e o problema daquela manhã continuou a se repetir e as vacas começaram a emagrecer e a morrer. Com medo de perder todo o seu gado, resolveu investir em um curso de veterinária na capital, como dizia. O curso era dado por veterinários experientes o que lhe fez acreditar que seria de grande proveito para ele. Chegando à capital, logo se vislumbrou com tantas coisas novas que se refletiam em seus olhos. Começou o curso com empenho e dedicação e rapidamente fez amigos, com quem sempre saia para conhecer o mundo que não existia entre suas vacas. Para ele tudo era novidade, agora ele experimentava o mundo do qual tivera sonhos secretos antes de dormir. Nos estudos era exemplar e ficava imaginando como seu pai e ele mesmo, puderam cuidar do gado por tanto tempo sem conhecer todas aquelas técnicas que estava aprendendo. Acreditava que agora iria quadruplicar o seu rebanho e aumentar sua fazenda, e poderia, finalmente, fazer uma reforma no velho casarão. Sonhava à noite antes de dormir, com sua fazenda próspera, seu gado mais gordo, mais feliz. Sua esposa poderia ficar mais atraente com as jóias e vestidos que lhe compraria. Seus filhos iriam estudar na cidade grande, para ver como o mundo é imenso e não se restringe só a terras e gado.

O curso acabou e o vaqueiro voltou para o interior cheio de projetos para pôr em prática tudo que aprendera. Logo que chegou à fazenda fez um grande churrasco para a família e os empregados, para comemorar sua volta. Disse que a partir daquele dia todos iriam ver aquela pequena fazenda se transformar numa imensidão de terras e gado. No outro dia cuidou de suas vacas, empregou técnicas que aprendera no curso e almoçou com satisfação. À tardinha escreveu todo um projeto para a maximização de seu rebanho. Previu tempo de engorda, abate, venda e novas aquisições. No dia seguinte ordenhou as vacas leiteiras, ensinou aos empregados a nova dieta para o gado e caminhou como costumava, na pastagem. À tarde tirou uma longa soneca na rede que sempre deixava na varanda.


Passaram-se dias, semanas, meses e todos notavam a melhoria na fazenda. O vaqueiro comprou terras vizinhas, reformou o casarão e o gado estava sendo considerado o melhor da região. As vacas já não pareciam mais assustadas e deprimidas, ele próprio notara a felicidade das vacas quando caminhava entre elas pela manhã. Mas aquilo dava-lhe muito trabalho, não era fácil seguir um novo modelo de criação de gado como imaginara em seus sonhos na capital. Os modos de tratar do gado que herdara do pai lhe pareciam novamente bons, não lhe dava tanto trabalho, não precisava dar tudo de si, como agora fazia. Além do mais, o entusiasmo adquirido no tempo dos estudos, os projetos, as imagens todas, estavam aos poucos desaparecendo de suas lembranças. Para ele nada mais gostoso do que à tarde, depois do almoço deitar-se e dormir tranqüilamente na rede da varanda. A fazenda ficou sem força motivadora e aos poucos voltava a rotina de antes. O vaqueiro já não falava para os filhos do mundo que existia lá fora. Também já não falava entre os peões da fazenda de suas aventuras na capital. A fazenda voltou a ser a fazendinha do seu Minino. E seu Minino ficava se perguntando quando caminhava na pastagem sob o sol que ainda nascia, com grande contentamento em ter aquele pequeno rebanho e cuidar de gente que não conhecia o mundo que conhecera na cidade grande, por que já não sonhava mais à noite...