EM MEUS OLHOS

Não pude ainda ouvir a sua voz em frases inteiras em textos dirigidos só a mim, onde eu pudesse te responder e articular sons que traduzissem o que meus olhos já declamam quando encontram, brevemente, os seus. É a distância talvez que mais me põe perto de ti.
Não pude ver ainda todas as marcas do teu rosto. Vejo-te de longe e meus olhos, mesmo deslumbrados, não te captam por inteiro, seja com tua roupa de trabalho ou vestida de outros modos que me encantam mesmo sem você saber.
Sou presa, és livre, mas tenho que te considerar impossível, pois eu mesma o sou. Queria pelo menos ser tua amiga e ter mais ciúmes ainda quando te vir enamorada. Quem te abraçará e te levará ao altar? Certamente não poderá ser eu. Mas se por um instante nos tornássemos loucas e profundamente existencialistas e nos uníssemos, fôssemos cúmplices num arrebatamento de paixão e desvarios, me entregaria como Sonoko Kakiuchi[1]. Ao acordar, condenadas, não saberíamos se essa paixão louca fora sonho ou realidade, teríamos a lembrança prazerosa de um orgasmo de sentimentos. E de corpos.

[1] Personagem do escritor japonês Junichiro Tanizaki, que se apaixona, mesmo sendo casada, por uma colega de curso.