SÃO FRANCISCO OU RONALDO?

Os que têm mais de vinte anos certamente se lembram de São Francisco, de quem tanto ouviram falar nas missas, em casa e nas conversas com os amigos. Os mais jovens talvez até já tenham ouvido falar, mas não têm certeza de quem seja. Contudo, sem dúvida conhecem Ronaldo, o Fenômeno.

Por quê? Porque o nosso modelo de herói mudou. Antes adorávamos ouvir histórias de gente rica que abandonava tudo em troca de um sonho ou de um grande amor. Hoje sonhamos com a riqueza para depois comprar o amor ou o sonho. O herói hoje é Ronaldo, que era pobre e ficou rico - não o criticando, já que ficou rico honestamente - e por ser realmente um craque. Quase diariamente vemos e aplaudimos as celebridades instantâneas e efêmeras que surgem na televisão. Nos vemos nelas. Sonhamos, através delas, nossas utopias individuais.

São Francisco hoje seria considerado louco, talvez fosse até internado ou ridicularizado em algum programa de TV por deixar a riqueza dos pais e partir em busca de seus ideais. Alguns certamente diriam ser ele um ''sonhador'', um outsider.

Roubar dos ricos e dar aos pobres como Robin Hood? Roubar tudo bem, mas para ficar rico, afinal, na nossa sociedade não importa de onde vem o dinheiro, importa que venha.

Consumir é o meio de atingir a felicidade. Os comerciais, como dizem os publicitários, não vendem mercadorias, vendem sonhos. Como alguém da periferia pode se sentir igual ao rico? Comprando o tênis ou a roupa de determinada marca, nem que sejam falsificados; sonhando é claro - e rezando -, com o dia que acertará os números da Mega-Sena.

Dinheiro é bom, concordo. Ou pode ser bom. Desde que não nos esqueçamos de que é mais importante ser do que ter, e não acreditemos em frases como: ''Dinheiro não traz a felicidade, manda buscar''. Ridículo.

Publicado originalmente no jornal O Povo em 14 de outubro de 2003.