O VAQUEIRO E O PÁSSARO DE FOGO

Falar da obra artística de dois amigos brilhantes é uma tarefa a um só tempo fácil – seu trabalho é magnífico – e complexa, por esta mesma razão. Isto é, as muitas camadas deste trabalho de arte sequencial impõem ao leitor uma viajem mais profunda por suas páginas e lhe devolve uma experiência quase onírica.


Saber um pouco de seus autores aumenta o nível de leitura desta Graphic Novel que você tem em mãos. Conheci primeiro o Anilton, meu conterrâneo de Redenção. Aliás, conheci ainda antes seu nome, quando éramos adolescentes apaixonados por quadrinhos (ainda somos!). Ele era amigo de amigos meus de escola. Seu nome já nos causava admiração por conta de seus desenhos já com características profissionais, bem acima das nossas irregulares tentativas de imitar o traço de nossos ídolos. Quando fomos apresentados nos tornamos amigos imediatamente.

Já o Alex conheci por intermédio do Anilton. Soube que era comic creator, e mestre de Kung Fu. Poliglota, profundo conhecedor de mitologia, ficção científica, fantasia e horror. Uma mistura rara de intelectual e atleta. Não por serem áreas incompatíveis, mas por serem difíceis, cada uma a seu modo, de se alcançar a excelência. Alex a tem nas duas. E assim como foi com o Anilton também conheci o nome Alex antes da pessoa.

E falando em pessoas e subjetividades os dois são indivíduos extraordinários, o que lhes confere ainda mais autoridade para contar a história que você vai ler agora. Os dois conhecem gente, sabem como pensam, sentem e agem. E conhecem nossa história social e de nossas mentalidades. São apaixonados pelo que é costumeiramente chamado de regionalismo, aquilo que vem, no nosso caso, do interior do Nordeste, não dos grandes centros urbanos. Contudo, ampliam essa temática falando das tragédias, mas também da sua superação. Universalizando o regional. A história de vida do vaqueiro João Félix poderia ser metaforicamente a de qualquer um de nós, sobretudo em sua trajetória amorosa para os braços da Deusa de Fogo. O amor é tido na psicoterapia como um importante auxiliar no tratamento de neuroses e até psicoses, e histórias de vida marcadas pela dor e sofrimento.

A narração do Alex é poética, com uma queda pelo estilo romântico do século XIX e enamorada da literatura fantástica, combinada ao traço luz e sombra do Anilton, o que dá à obra uma beleza hipnotizante. O leitor é levado a conhecer a tragédia sócio-histórica-pessoal do protagonista e logo a mergulhar em sua mente. Na subjetividade de um indivíduo que isolado do mundo que o cerca e impedido de receber educação formal se ampara na leitura de mundos fantásticos e logo em seguida na sua própria imaginação criativa. O que nos dá, além de uma rica experiência artística, uma lição pedagógica. O excluído tem o potencial de superação das limitações. Seu problema não é cognitivo, mas social. E esta HQ, de forma metalinguística, se usada também como livro paradidático pode contribuir ricamente para a experiência leitora de crianças e jovens e lhes inspirar a superar suas próprias limitações pessoais e sociais.

Fico feliz em dizer pra você leitor que no Ceará tem disso sim! Artistas visionários e quadrinistas talentosos. Capazes de transformar o nosso regional em universal. De nos apresentar uma personagem tão fantástica quanto real. Alguém que você poderia ter conhecido. Alguém que, com certeza, você adorará conhecer aqui.

Texto escrito por mim para a apresentação da edição. 
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